Breaking Bad e a importância do primeiro episódio

Breaking Bad foi uma das séries mais importantes dos últimos anos e parte deste sucesso é intimamente ligado à sua espinha dorsal, o roteiro. O canal “Lessons from the screenplay” fez um incrível trabalho explicando a construção cirúrgica presente no piloto desta série.

Vale lembrar que, obviamente, haverá spoilers do primeiro episódio, então, caso você tenha conseguido se manter livre de spoilers até hoje e ainda não viu a série, vale a pena assisti-lo para entender tudo que é citado. Sem mais delongas, vamos ao vídeo.

Claro que não vamos te deixar na mão e caso seu inglês ainda não esteja afiado para entender o que foi dito, vamos explicar passo a passo o que Mike aborda em seu vídeo.

O Piloto

Com certeza você já reparou que dezenas de séries que assistiu possuem o primeiro episódio com o mesmo nome, certo? Será que os roteiristas ficaram sem criatividade e criaram um padrão para isso? Não é este o caso.

O episódio piloto funciona quase como um final de semana de estreia para os filmes, ele é crucial para conseguir cativar a audiência e, em alguns casos, até mesmo conquistar executivos de alguma rede.

O passo a passo de uma série

Antes de passarmos a análise para Breaking Bad é preciso explicar como funciona todo o processo até que uma série tenha seu primeiro episódio exibido ou seja liberada na Netflix, por exemplo. Como nosso post não é exatamente sobre isso, falaremos de maneira breve.

Geralmente uma série passará por um pitching com executivos de canais de televisão, durante este pitching os requisitos poderão variar, mas o roteirista precisará de, pelo menos, o episódio piloto totalmente escrito.

O trabalho é complexo e para cada série produzida, dezenas ou centenas de projetos ficam pelo caminho. Não é raro histórias sobre séries de imenso sucesso que foram rejeitadas várias vezes também.

Produção do piloto

Algumas vezes o piloto é produzido como forma de aprovar uma série, afinal é muito mais barato investir em um episódio e “sentir” a série do que enviá-la para produção e descobrir que terá de ser cancelada por falta de interesse da audiência.

Há também a possibilidade de produzir um piloto com recursos próprios para mostrar aos canais e empresas interessadas, apesar de uma abordagem mais arriscada e cara, ela pode ser a única alternativa para tirar a série do papel e conseguir um grande aporte de dinheiro junto ao projeto.

Teaser

No primeiro episódio o “teaser” é o momento para fisgar a audiência, ele é essencial em qualquer obra narrativa audiovisual, comece a reparar em filmes e até novelas, os primeiros minutos do primeiro episódio geralmente são intensos para quem assiste.

Em Breaking Bad o teaser possui vários destes elementos, começando com apenas o som de pássaros ao fundo e a construção da paisagem que envolverá a cena, uma calça com cinto voa pelo céu de maneia graciosa até que atinge o chão e é atropelada por um trailer que traz com ele o barulho do motor e a trilha sonora de ação.

Dentro um homem dirige apenas com uma máscara de gás e cueca, ao seu lado um rapaz com máscara de gás, olho roxo e, aparentemente, desmaiado. O próximo plano mostra uma bagunça com um líquido amarelo pelo chão e dois corpos, mais alguns segundos e o trailer bate.

Apresentando Walter White

Como conhecemos Walter White? Fisicamente apenas de cueca e dirigindo um trailer de maneira insana, depois ele literalmente se apresenta para uma câmera (metalinguagem) em tom de despedida, fala sobre Skyler (sua esposa) e Walter Jr. (seu filho), sirenes são ouvidas ao fundo.

Diz suas últimas palavras para a câmera e caminha para o centro da estrada, a edição de som torna as sirenes cada vez mais próximas, ele retira uma arma e aponta. Fim! Estes são os primeiros minutos da série.

Quem é este homem? Ele é um vilão? Um dos mocinhos? O que aconteceu? Você foi fisgado. Como Michael cita em seu vídeo, o teaser traz uma situação de vida ou morte (o ponto mais extremo de qualquer ser humano), possui muita intensidade e um tom bem claro.

A importância de Bryan Cranston

Este teaser mostra algo que alguns diretores já citaram no nosso post sobre direção de atores. A escolha do elenco talvez seja tão ou mais importante que uma boa direção no momento da cena, uma vez definido o ator com potencial para trazer aquele personagem à tona, o próximo passo é prepará-lo e deixá-lo trabalhar.

Bryan teve todo o peso de levar a primeira cena sozinho, neste momento começa uma série de sucesso, a preparação dos atores por semanas ou até mesmo meses é fundamental, pois, apesar de personagens serem “orgânicos” em séries, era preciso que Bryan entrasse com Walter pronto nesses primeiros minutos e segurasse esta cena.

A estrutura de uma série de 45 minutos

Os pilotos de séries são comumente divididos em: Teaser e quatro atos, com intervalos comerciais entre eles ou não. O primeiro episódio de Breaking Bad foi exibido sem intervalos, esta é uma estratégia adotada por muitas redes de televisão para conseguir reforçar o engajamento do público com seu novo produto.

A ideia é simples, os espectadores ainda não possuem ligações emocionais com os personagens, eles mal sabem o que está acontecendo! Então qualquer pausa pode fazer com que eles abandonem o episódio, é quase como um investimento da rede em reter o público para os próximos episódios.

Curiosidade: Não são apenas as séries americanas que adotam esta estratégia, o capítulo de estreia de novelas geralmente possuem um primeiro bloco bastante longo e apenas um intervalo comercial, caso seja um consumidor de novelas, repare com um pouco mais de atenção o primeiro episódio.

A divisão dos atos nas séries americanas é tão forte que quando assistimos a uma série feita e editada para televisão em outros meios, sabemos exatamente quando um ato termina para os intervalos, assista e perceba como há sempre um gancho para segurar o espectador e a retomada dele na sequência.

Primeiro Ato

Breaking Bad é uma série extremamente focada em um protagonista forte e, para que isso funcione, é preciso que o público conheça Walter, quem ele é, como é sua vida. O próprio criador da série (Vince Gilligan) diz exatamente isso no depoimento escolhido para compor o vídeo:

“O público não precisa concordar com tudo que o Walter está fazendo, mas ele precisa entender o porquê ele está fazendo.”

Para obter este resultado Vince utiliza a técnica “day-in-the-life” ou “um dia na vida”, logo no início temos uma dica visual que Walter é uma pessoa brilhante, um quadro na parede acusa sua contribuição para um projeto ganhador do prêmio Nobel, mas aos poucos vemos como sua vida é cercada de frustração e desrespeito.

Apesar de químico brilhante, ele dá aulas no ensino médio para alunos apáticos e sem respeito, além disso, ele possuí um segundo emprego em um lava rápido. Neste ato também conhecemos melhor Skyler (esposa), Walter Jr. (filho) e Hank (marido da irmã de Skyler e agente da divisão antidrogas dos EUA, conhecida como DEA).

Ainda neste ato vemos como Walter não exerce nenhum protagonismo em sua vida, um aluno o enfrenta na sala e o humilha em seu trabalho no lava rápido, seu filho parece muito mais interessado na vida e trabalho do tio Hank e sua festa de aniversário é “roubada” também pelo cunhado. Tudo isso nos leva à seguinte questão:

O que falta na vida de Walter?

O primeiro ato mostra como Walter não possui poder de decisão algum na sua vida, ele é passivo, diplomático e apesar de ser um químico genial, vive uma vida onde é constantemente humilhado. Vince estrutura a vida normal de White, que nos prepara para o fora do comum: seu desmaio ao final do primeiro ato.

Curiosidade: Repare como o reforço da narrativa de Walter sem poder não existe apenas no roteiro, na cena onde ele desmaia sua insignificância é demonstrada pelo fato de não haver correria, Walter está caído ao chão e a vida segue normalmente, ninguém percebe imediatamente.

 Segundo Ato – A premissa

A premissa é um resumo sobre o que é a essência da série e é no piloto que isso precisa ser estabelecido. Em séries onde um protagonista é a figura essencial, geralmente temos a seguinte base narrativa: a vida do protagonista vira de cabeça para baixo quando X acontece, então ele decide fazer Y.

Dica: o “X” que ocorre deve ser uma situação intensa e extrema, por isso, muitas vezes há uma situação de vida ou morte. Ninguém tem a vida virada de cabeça para baixo apenas porquê comprou um carro com defeito ou uma casa com problemas. Analise as séries que você mais gosta e veja como cada uma possuí uma situação extrema: um avião cai (Lost), dois irmão buscam o pai desaparecido (Sobrenatural), um ataque terrorista destrói o capitólio e o protagonista é nomeado presidente dos EUA (Designated Survivor).

O segundo ato tem início com X, Walter é diagnosticado com câncer de pulmão e acaba encarando a morte de maneira clara, isso o lembra que Hank ofereceu que participasse de uma ação do DEA.

Durante o dia acompanhando Hank, Walter acaba aprendendo mais sobre o negócio que envolve a metanfetamina e cruza o caminho de um ex-aluno e personagem essencial para a série: Jesse Pinkman.

Esta série de eventos faz Walter chegar ao seu Y: encontrar Jesse e oferecer uma parceria onde ele entraria com seu conhecimento de química e Pinkman usaria seu conhecimento sobre o negócio. Neste momento chegamos à premissa da série:

Um professor de ensino médio descobre que ele possui câncer terminal e decide produzir metanfetamina para guardar dinheiro para sua família.


Dica: Repare como a premissa, apesar de boa, é sempre básica, são apenas uma ou duas linhas, durante a criação de um roteiro lembre-se que a sua premissa é importante, mas o que fará a diferença é todo o recheio que há entre a primeira e última palavra dele. Em resumo, a mesma premissa sobre o professor de química poderia gerar uma série extremamente fraca, caso o roteiro fosse recheado de clichês, falta de ação ou diálogos forçados. 

Terceiro Ato

Michael cita o livro de Lajos Engri “The Art of Dramatic Writing” (A arte da escrita dramática, em livre tradução) para explicar o que ocorre no terceiro ato e o que é necessário para que um personagem se torne protagonista. O livro diz:

“Um homem cujo medo seja maior que o seu desejo, ou um homem que não possua uma paixão avassaladora, ou alguém que possua paciência e não se contraponha, não pode se tornar um protagonista.”

O ato três mostra como o desejo de Walter começa a se sobrepor aos seus medos, acontecem os seguintes pontos:

  • Ele rouba material de laboratório da escola
  • Retira todas suas economias para que Jesse compre um trailer
  • Experimenta seu primeiro momento de poder em uma cena com a família

O potencial de Walter

Walter faz compras com seu filho e esposa enquanto três caras caçoam do garoto que possui paralisia cerebral, este é o ponto onde há o primeiro rompimento e transgressão entre o Walter passivo, diplomático e sem controle de sua vida e vemos seu “potencial” para virar este jogo.

Tudo trabalha para mostrar o potencial de poder em Walter, são três homens juntos, ele dá a volta na loja e ataca o maior de todos, não demonstra medo em nenhum momento e usa sua inteligência para acertá-lo no joelho e derrubá-lo. Frieza, inteligência e um tom desafiador em momentos extremos, será que este é o Walter escondido ao longo dos anos?

“Historicamente a televisão é muito boa em manter seus personagens sob um estase, assim a série pode continuar por anos ou até décadas… quando percebi isso, o próximo passo lógico foi pensar “como posso criar uma série onde o motor fundamental é através de mudanças?”. Vince Gilligan

O momento na loja de roupas mostra como Breaking Bad não será sobre um personagem estático e sim sobre a transformação pela qual passará Walter, segundo Michael. Para reforçar esta ideia ele traz novamente um trecho de “The Art of Dramatic Writing”:

“Um protagonista não deve apenas desejar algo. Ele deve querer tanto isto que será capaz de destruir ou ser destruído no esforço de alcançar este objetivo.”

Quarto Ato

O quarto ato serve como um fechamento de um ciclo e voltamos à ação que vimos durante o teaser, já sabemos sobre o conhecimento de Walter em química, assim como vemos o trailer do início e também já conhecemos Pinkman, neste momento conhecemos o futuro, mas ainda não sabemos o que levou a ele.

Ele também familiariza o público com o que ocorrerá frequentemente na série, haverá muita metanfetamina sendo feito, muitos traficantes ameaçando os dois e também muitos momentos onde eles irão encarar a morte ou serem pegos.

Por fim, o quarto ato ajuda a mostrar um homem que rompe um estado de neutralidade em sua vida, enfrenta situações extremas, mas não pode dizer nada sobre o que ocorreu à sua família, extravasando toda essa mistura de sensações através de uma das formas mais primitivas do ser humano, o desejo sexual.

A magia da séries

Todas as séries possuem essa tentativa de situar personagens e espaço logo no primeiro episódio, inclusive é comum assistirmos novamente ao primeiro episódio de uma série que já está na décima temporada e percebermos como alguns personagens mudaram um pouco e como os roteiristas bateram em teclas de maneira recorrente no piloto.

A magia das séries é exatamente a união do tempo “real” com o tempo exibido na ficção, apesar dos personagens nascerem muito bem estruturados, eles vão sofrendo modificações ao longo do tempo. Os atores envolvidos na produção vão envelhecendo, alguns dizem adeus na série ou vida, outros novos chegam.

Dentro do modelo televisivo uma série com, por exemplo, 12 temporadas ficou no ar exatamente por todo este tempo, nós mudamos e envelhecemos quando assistimos a série, os atores e atrizes mudam fisicamente, são doze anos de contato com aqueles personagens, muitas vezes bem mais do que você terá com vários conhecidos na sua vida.

Não por acaso ficamos “órfãos” de séries e nos envolvemos tanto com elas, quem começou a acompanhar Friends com 17 anos ainda era um adolescente decidindo o que fazer com a sua vida, quando a série exibiu seu último episódio em 2004, a mesma pessoa teria 27 anos, talvez uma graduação, pós, esposa, marido, filhos.

Séries são produtos únicos, pois acabam se tornando narrativas audiovisuais orgânicas que respondem ao público e aos acontecimentos da vida real. Os roteiristas e criadores estão sempre ajustando fatos reais em seu mundo ficcional.

Por isso, dentre todos os produtos audiovisuais, elas talvez sejam o que atinja de maneira mais poderosa os telespectadores por elas cativados.

Um pouco mais de Breaking Bad

É fã de Breaking Bad? Confira também nosso post onde ensinamos o que é “Master Shot” utilizando um sequência da série como base.

Cinema 101 – Master Shot

 

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Graduado em Imagem e Som pela UFSCar e especialista em Gestão Estratégica de Negócios pela Mackenzie. Parte de seu portfólio está disponível em: https://www.behance.net/gustafonseca. Quer entrar em contato? Envie um e-mail para gustavof.gustavo@gmail.com.

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