Do Vimeo para Hollywood – Entrevista com Marcus Alqueres
Com o alcance global da internet sempre houve a dúvida se seria possível chamar a atenção de Hollywood através de um curta-metragem bem executado e com apelo comercial. Pois a resposta para esta dúvida é sim! E um brasileiro faz parte desta história.
Há cerca de um mês foi lançado no Vimeo e Youtube um curta onde Leonardo Miggiorin se depara com um supermercado aberto, mas totalmente abandonado, com uma temática pouco comum ao mercado brasileiro, o curta conta com uma produção muito acima da média.
O ação toda narrada em inglês pode camuflar o time brasileiro por trás da produção de “Lasiurus” e mais especificamente Marcus Alqueres, o diretor também é responsável pelo curta “The Flying Man”, lançado há cerca de três anos e que já contabilizou mais de 10 milhões de acessos ao redor do mundo.
Marcus utilizou a internet como trampolim para mostrar seu trabalho de diretor para Hollywood e hoje “The Flying Man” já tem seus direitos para um longa comprados pela Sony. Ele topou contar um pouco mais sobre o processo de criação de ambos os filmes para o Cinematográfico. Boa leitura!
Marcus, qual seria sua dica para conseguir montar uma boa equipe para produção de um curta onde, muitas vezes, é impossível oferecer uma contrapartida em cachê?
Primeiramente manter a equipe o mais enxuta possível, no “The Flying Man”, apesar de ter pago a todos, na equipe tinha apenas 4 pessoas além dos atores. No “Lasiurus” foi apenas eu e um amigo. Por mais que a ajuda venha de graça, você acaba gastando com outros custos indiretos como, por exemplo, comida e transporte, fora uma logística mais complicada de produção. Logicamente que, dentro desse conceito, o cineasta tem que estar confortável operando em várias funções. No “Lasiurus” além da fotografia até som captei.
Você pode contar um pouquinho mais sobre todo o processo desde a produção do “The Flying Man” até a assinatura com a Sony? Você já possuía um manager ou agente, como isso funciona?
Tudo aconteceu pela internet. Horas depois de colocar o curta online no Vimeo, já tive um contato do meu atual empresário, assinamos um pouco depois. No mesmo dia o curta veio a ser Staff Pick no Vimeo e logo depois veio o contato de agências e acabei assinando com a UTA. Foram apresentados vários escritores até escolhermos um e escrever o roteiro de forma independente. Depois de pronto, tivemos um interesse da Sony onde decidimos que seria a melhor casa para o projeto.
Falando agora do “Lasiurus”, você poderia contar como foi o processo de produção? Também se você sente muita diferença entre gravar em SP, Toronto e outros lugares do mundo?
Foi um processo bem prazeroso e enxuto, como falei, éramos apenas eu e um amigo (também diretor) me ajudando no set. Não lembro de ter tido nenhum problema no set, acredito muito que com uma pré-produção bem-feita se diminui muito as chances de imprevistos. O ator, Leonardo Miggiorin, também foi um ótimo colaborador, esse tipo de produção envolve também uma parceria de todas as partes envolvidas, não tínhamos figurino, maquiagem, essas coisas. Para chegarmos ao look certo o ator acaba se envolvendo mais no processo, pois usamos seus próprios figurinos, nesse caso. A parte de pós-produção foi mais intensa, pois como já imagina, tive que fazer tudo: Edição, todos os efeitos visuais, correção de cor, etc.
Quanto a gravar em SP ou Toronto é quase covardia comparar. Já tive experiências nas duas tanto na esfera independente, quanto na comercial. Do ponto de vista independente posso falar da minha experiência com o “The Flying Man”. Era recém-chegado à cidade (Toronto), conhecendo poucas pessoas, mesmo assim consegui contratar a equipe praticamente toda por sites locais especializados, inclusive atores. Em termos de equipamento foi muito fácil alugar, bastante opção e com um preço ótimo. O processo de conseguir autorização junto à prefeitura foi muito tranquilo e muito bem explicado no site da mesma, não tem macete, tudo muito é bem definido, imagina que fiz isso tudo sem experiência prévia em produção. Existe um site oficial do governo de Ontário que dispõe de uma biblioteca enorme de locações particulares e públicas de todo tipo e seus devidos contatos, o acervo é de consulta gratuita. A questão de segurança também pesa bastante, eu andava pela cidade com minha câmera (Red) na mão com toda confiança que não seria assaltado. Fiz diversas imagens pelas ruas de Toronto para o filme sem grandes estruturas. Já em SP de forma independente e sem conhecer ninguém, tudo seria mais desafiador. Para o “Lasiurus” tive dificuldade até para alugar equipamento, pois como deixei para última hora a maioria das locadoras exigia um processo de cadastro extenso e com dias de antecedência, logicamente entendo os motivos, mas me pegou de surpresa visto minhas experiências anteriores fora do Brasil. Filmar em externa em SP está cada vez mais difícil, muita restrição para conseguir autorização e em diversos lugares já nem se consegue mais, só perguntar para qualquer produtor de locação de SP, imagina se você não tiver um produtor te auxiliando.
O “Lasiurus” segue sua ideia de prova de conceito? Foi algo feito com abertura para um longa? Mais que isso, você pensa em conseguir fechar um longa com essa temática e realizá-lo no Brasil de forma mais independente?
Sim, a maioria dos meus curtas servem de introdução para um universo maior a ser explorado. Já tenho um pequeno tratamento do que seria o “Lasiurus” como longa-metragem e estou no momento conversando com pessoas interessadas e ver o que pode dar.
Você é um exemplo do poder da internet como ferramenta de distribuição. Mas para isso teve toda uma história de formação e principalmente trabalho diário em grandes casas de produção, do Marcus que entrou anos atrás no primeiro trabalho em uma grande produtora para o Marcus de hoje, qual o nível de importância de ter passado por grandes empresas para a qualidade do seu processo de trabalho? Tanto no operacional quanto na qualidade narrativa.
De muita importância. Eu não tenho uma formação formal em cinema, eu vim da área de pós-produção, mais precisamente de efeitos visuais, onde trabalhei em grandes filmes no mercado de Hollywood. Aos poucos, ter contato com esse mundo por tantos anos foi gerando essa vontade de criar minhas próprias histórias e ter tido esse aprendizado técnico acabou se tornando uma vantagem para que eu consiga pós-produzir meus projetos a custo muito baixo, geralmente apenas o meu próprio tempo. A minha área específica dentro dos efeitos visuais era animação. Em animação existem muitos denominadores comuns com filmmaking tradicional, como linguagem de câmeras, estruturas de história, performances (de personagens virtuais), etc. Com o tempo você acaba consumindo as mesmas informações que um cineasta tradicional. Foi uma evolução natural para mim essa transição do virtual para o tradicional.
Com o acesso cada vez mais fácil a equipamentos que permitem um nível legal de produção, como você enxerga a criação de um mercado de longas, séries ou web séries independentes e viáveis financeiramente? Você acha que especificamente no Brasil isso já seria possível ou precisaríamos de ainda mais “democratização” de equipamentos e de uma estruturação mais forte de uma indústria nacional mesmo, para que a mão de obra começasse a ser preparada de cima para baixo?
Acredito que a democratização de equipamentos e tecnologia já está em um nível nunca antes visto. O acesso já é bem democratizado se você comparar com 10 anos atrás, mas infelizmente hoje o custo com equipamentos é apenas uma parcela pequena do montante total. Montar uma equipe em um conceito de negócio sustentável custa bastante. Até se consegue propor algo em que os profissionais se dediquem por muito pouco, mas esse molde não se sustenta, todos precisam sustentar suas vidas. Para a maioria dos profissionais, além de uma paixão, fazer filmes é seu ganha-pão. Na esfera comercial é muito difícil cortar custos sem afetar o bem-estar de todos. Ou se tira dinheiro do salário de alguém, ou se tira dinheiro da comida, ou da estrutura, e nenhuma dessas soluções é uma boa para longo e médio prazo. Os equipamentos nessa equação são apenas uma fração. A carga tributária é algo que pesa bastante também dependendo de onde se filma.
Por isso que nunca revelo publicamente o quanto realmente gastei nas minhas produções, muito por esse número ser irreal, pois além de não computar o meu próprio tempo (muitas vezes meses de trabalho gratuito) sei que esse número não se aplicaria de nenhuma forma na esfera comercial onde todos esperam ser pagos, incluindo locações. Existem medidas que você tem de tomar para segurança e conforto de todos que custam bastante. É muito mais complicado do que falar, “Pede para esse curta-metragista explicar pra Hollywood como ele consegue filmar tanto por tão pouco”.
Quais equipamentos você teve disponíveis no “Lasiurus”? Câmera, lentes, luzes, alguma maquinária, se quiser pode citar os softwares utilizados em todo o processo e quanto tempo levou da captação para o vídeo disponível online, por favor.
Filmei com uma Red Scarlet MX.
Para as cenas do escuro total, usei uma Sony A7S pela sua sensibilidade lowlight.
Usei lentes de still Contax Zeiss de 25, 50 e 85mm e uma Sigma art series 18-35 1.8
Iluminei tudo com 2 painéis LED usando baterias, apesar de filmar em lugares perto de tomadas, gosto de usar baterias para facilitar a portabilidade e manuseabilidade. Consigo fazer setups de iluminação muito rápidos assim.
Filmei muito handheld e usando tripés, por algumas vezes eu equilibrava o tripé em um carrinho de criança para conseguir uns dollys de graça.
Filmagem foram 2 noites,
Editado no Premiere, cor no Resolve.
Para efeitos foi uma combinação de Maya, Nuke e Photoshop.
Com seu trabalho Marcus vem mostrando que é possível “cutucar” Hollywood pela internet. Hoje temos um espaço muito mais democrático para distribuição dos nossos trabalhos sem precisar trabalharmos com curtas que agradem apenas festivais. Para conferir um pouco mais de seu trabalho você pode acessar seu site oficial.