Lion – Entrevista com um dos compositores do filme
“Lion: Uma Jornada para Casa” concorre a nada menos que seis Oscars neste ano, incluindo melhor filme, roteiro, direção de fotografia e música original. Nesta entrevista Dustin O’Halloran (um dos compositores da trilha ao lado de Volker Bertelmann) conta detalhes de todo o processo e como foi ser indicado ao prêmio pela primeira vez.
Estamos aqui com Dustin O’Halloran, o co-compositor do filme indicado ao Oscar “Lion”. Dustin, obrigado por estar conosco. Como você se envolveu com o filme?
Dustin – Bem… Volker, também conhecido como Hauschka, se apresentou em Melbourne e o Garth Davis foi ao show e…
Garth Davis, o diretor?
Dustin – Isso, o Volker não percebeu quem era ele e combinaram de se encontrarem após o espetáculo, o Garth queria lhe mostrar alguns trechos do seu filme. Ele não sabia quem era ele, que tipo de cineasta era e quando ele mostrou os primeiros… acho que ele levou seu notebook e o mostrou alguns vídeos, Volker ficou impressionado e Garth perguntou se ele acharia possível compor a música comigo, o que ele não sabia é que nos conhecemos há dez anos.
Você diz que o Garth não sabia?
Dustin – Sim, o Garth é realmente… do jeito que ele fez o filme, é tão instintivo e há meio que um elemento espiritual onde ele se apoia e em como ele escolhe as coisas, essa foi apenas uma pecinha em todo o filme, como nos juntamos.
Hauschka (apelido de Volker) e eu nunca havíamos composto nada juntos, mas nos conhecíamos há muito tempo, lançamos discos pela mesma gravadora, fizemos turnês juntos, então foi ótimo, eu senti que poderia fazer isso com ele.
Ele é um dos meus melhores amigos, então entrar em uma sala e fazer música com alguém… não há tantas pessoas com as quais eu poderia fazer isso.
No entanto, é meio não ortodoxo contratar dois compositores para trabalharem no mesmo filme. Como essa parceria funcionou?
Dustin – Acho que quando Garth imaginou isso pela primeira vez, ele imaginou que a música do Hauschka poderia se encaixar muito bem na primeira parte do filme, pois o filme tem duas metades e ele sempre o descreveu como dois lados de uma borboleta, duas partes de um livro e ele o fez como vínhamos fazendo as músicas.
Sua música é bem invetiva, há várias texturas nela e ela funcionou bem com o garoto e sua habilidade de navegar por todas essas situações perigosas e ainda ter uma espécie de brilho e a Índia é um lugar cheio de texturas, no entanto, nunca houve alguma conversa sobre músicas indianas.
Talvez os timbres de Hauschka… pois ele toca um piano preparado, há algo que poderia se conectar e conforme entrávamos nisso percebemos que tínhamos de unir estas coisas. Acho que Garth queria que a segunda metade que é mais interna e emocional, seria o trecho onde eu seria bom, então acho que sua ideia era ver se poderia unir estas duas metades deste filme musicalmente.
Eu acho que foi uma escolha muito inteligente, pois é muito peso emocional para uma pessoa e há dois períodos de tempo com os quais você está lidando, você precisa representá-los de alguma forma e o fato de trabalharmos juntos e combinarmos nossos sons, ajuda a representar os dois e acabamos trabalhando o filme inteiro juntos.
Onde você e Hauschka estavam fisicamente quando fizeram isso, soube que vocês estavam meio que em lados opostos do mundo.
Dustin – Quando começamos eu estava em Los Angeles e ele em Düsseldorf, que é onde ele mora. Acho que nós dois precisávamos achar nosso próprio espaço no filme e adentrá-lo, eles estavam muito próximos do último corte quando chegamos, entramos um pouco tarde, então tivemos de realmente mergulhar no filme.
Gastamos cerca de um mês apenas mandando arquivos de um para outro, enviando coisas para o Garth, tentando criar um idioma para o filme e descobrir quais ferramentas teríamos de usar para encontrar ideias e temas. Hauschka veio para cá e então trabalhamos cerca de quatro a cinco semanas juntos e foi quando tivemos várias ideias.
Eventualmente quase tudo mudou, nós realmente chegamos a algo por aqui e todo o trabalho anterior que tivemos foi realmente para entrarmos no espírito do filme e se conectar a ele emocionalmente, realmente ajudou que tivéssemos esse tempo sozinhos e finalizássemos juntos aqui.
Você é um pianista e Hauschka tem trabalhado com piano por anos, o que te levou a achar que o piano fosse a escolha certa para esta composição?
Dustin – Bom, o piano é um instrumento que tem tantas vozes e é muito rico dinamicamente, tanto que muitos compositores precisam aprender a tocar piano, pois ele realmente representa a orquestra, você tem timbres, ritmo, tudo do grave aos agudos, então é um instrumento solo raro que pode incorporar muita coisa. Hauschka o leva a um espaço totalmente diferente, pois ele trabalha com um piano preparado.
Você poderia definir isso melhor?
Dustin – Bem, ele coloca peças de madeira dentro, tampas de garrafa, diferentes materiais, prende cordas com fita e tudo que ele faz o torna um novo instrumento, cria timbres completamente novos e então passa tudo isso por algo e usa como fontes sonoras, isso cria toda uma nova dimensão diferente de apenas trabalhar com um piano clássico que é tradicional, então podemos fazer muito com apenas o piano.
Há cordas e outros elementos na composição, elementos de ambientação, mas parecia que o piano poderia contar a história de uma pessoa, pois é um instrumento…. várias coisas acontecem e ele passa por várias mudanças, várias experiências, conseguimos contar uma história dinâmica, carregar diferentes altos e baixos emocionais, mas ainda manter isso de forma reduzida.
Todas vez que tentávamos explorar peças mais trabalhadas, parecia demais. Sempre pareceu que era algo muito amarrado para o filme.
Como vocês mantinham o diretor atualizado, o Garth te visitava ou você o enviava músicas?
Dustin – Não nos encontramos até a mixagem final, ele está em Melbourne e na primeira reunião via Skype eu estava em Los Angeles, ele estava em Melbourne, Volker estava em Düsseldorf, havia alguns produtores em Sidney, alguns outros em Londres e todos precisamos achar um momento onde poderíamos conversar.
Acho que aprendi que se você tem uma conexão com alguém, mesmo que não tenha encontrado a pessoa… e essa película fala tanto sobre o filme que ele gostaria de ter feito, ele é um comunicador incrível, o que ajudou muito.
Ele dava um retorno muito claro, forte e seguro sobre o que queria, podíamos falar o tempo todo por Skype e foi o que fizemos quase que diariamente ao longo do processo, então você estabelece um contato bem familiar e quando finalmente encontra a pessoa parece que vocês se conhecem há anos, não parecia que nunca havíamos nos encontrado.
Nós tivemos uma ótima conexão e acho incrível que este seja seu primeiro filme, ele é um diretor muito talentoso e trabalhar com alguém que possui um talento natural e você pode sentir isso, acho que todos que trabalharam com ele dirão a mesma coisa, sua abordagem é única e bem pensada e foi… todo mundo deu suor e lágrimas por ele, pois ele sabia como trazer isso sem ser durão, as pessoas queriam entregar isso ao filme, pois ele tem este talento natural, definitivamente.
Você e Hauschka ao contrário da maioria dos compositores em filmes, eu acho, têm uma base como músicos “populares”, estava pensando se essa experiência diferente dá a vocês uma visão diferente de como a música se comunica com um público?
Dustin – Acho que tocar ou tocar para um público e escrever músicas para vocês é uma experiência totalmente diferente de escrever músicas para um filme. No primeiro é muito mais sobre você e se consegue comunicar o que você quer ao vivo… é algo que depende só de você também.
Acho que você aprende a entrar em contato com outro lado de você, compreende o espaço de forma diferente, o timming de forma diferente e, por último, como qualquer composição e a própria música, ela te ajuda a atingir uma verdade interna mais profunda, acho que se eu tivesse aprendido a escrever músicas apenas de forma colaborativa, seria mais difícil para que eu encontrasse minha própria voz.
Mas eu passei tanto tempo compondo minha própria música e em turnê, que fiquei mais casca grossa para me envolver no filme… atores passam por isso no início de suas carreiras, sempre há uma crítica para o que fazem e eu tenho muito respeito a como as pessoas desenvolveram seus estilos dentro deste ambiente, pois se você é sensível, aquela pode ser uma experiência esmagadora.
Mas se você tem um passado de exploração da sua própria música, tem mais confiança de saber quem você é e o que você quer ser e em qual direção você quer que ela vá quando trabalha de forma colaborativa.
Estou curioso para saber, pois você é um músico que toca piano, nós estamos escutando você tocando na maior parte do tempo no filme, certo? É você tocando?
Sim, Hauschka e eu estamos tocamos o piano, nós tocamos boa parte das composições… acho que é como nos dois tocamos e criamos músicas, como sempre abordamos a música, este toque pessoal foi interessante, pois tivemos um sessão onde estávamos bem cansados, ficamos trabalhando por 12 horas, era bem cedo na manhã e tínhamos uma pessoa para tocar o piano, que toca incrivelmente bem, só queríamos um backup, pois depois de ficar compondo músicas 12 horas estávamos meio sob pressão.
E uma sessão de gravação é completamente diferente, você precisa estar preparado e ao final foi interessante, pois ela tocou muito bem, mas o toque foi diferente do que percebemos que seria muito importante para a cena, então eu toquei acabei gravando essa parte, foi quando eu percebi que você pode tocar todas as notas, mas o toque é muito importante para transportar muito da energia e comunicar muito do conteúdo emocional.
Uma das coisas que é legal com o Hauschka é que somos meio iguais como compositores, gostamos de colocar a mão na massa quanto a isso. Não sabemos nenhuma outra forma de fazê-lo, então é incrível trabalhar com alguém que também é assim.
Você chegaram a tocar enquanto o filme passava?
Sim, várias das composições são takes únicos de piano do começo ao fim e o que fizemos foi colocar uma tela próxima ao instrumento e percebemos que a maior parte do filme não tem um tempo fixo, há um respiro na música que precisávamos conseguir para nos conectarmos ao personagem e ao filme e trazer realmente alguma emoção e o desafio era conseguir estes takes.
Uma das últimas sequências do filme tem cerca de oito minutos e acontece quando ele finalmente descobre sua casa pelo Google, conta à sua namorada, se despede da sua mãe, voa para a Índia, vai para o seu hotel, viaja pelas cidades, entra na vila e… não darei spoilers.
Essa sequência toda é um take único de piano, levou horas para ela dar certo, mas tinha de ser um take único, pois se você movesse um pouco o tempo no começo, não iria atingir o ponto certo depois, então… pois essas são algumas mudanças que aconteciam, havia uns cinco ou seis formatos e coisas que precisavam acontecer em certos pontos no filme.
É uma das partes onde há mais mudanças na música, mas ela precisa fluir e era preciso sentir que estava fluindo, pois do jeito que foi editado houve muito compressão, todas aquelas várias coisas acontecendo, foi o que ajudou a unir a cena, nosso desafio era fazer aquilo, trazer essa fluidez através de um take único.
Para a música dar certo não era apenas sobre a notas e sim sobre a performance certa e levamos bastante tempo parar fazer isso, apesar de não haver vários instrumentos no filme, conseguir a performance foi a parte mais difícil.
E agora você e Hauschka indicados ao Oscar pelo seu trabalho, como você se sente?
Sim! É surreal, pois nunca imaginei isso e você percebe que é demais para os seus pais, pois estão muito felizes! Estou muito orgulhoso do filme, feliz por ele estar tendo o reconhecimento que eu acho que merece e todo mundo era muito talentoso, é realmente um filme que é a junção de todas suas partes, todo mundo trabalhou muito duro nele.
E experimentar este mundo com este filme que eu acho que nos representa tão bem e tem uma bela história… acho que é a melhor maneira de experimentá-lo, estamos orgulhosos disso.