NASA e IMAX em “A Beautiful Planet”

Por mais de 30 anos a NASA e a Imax têm trabalhado em conjunto para trazer aos olhos de espectadores na Terra uma proposta de imersão com a visão que antes apenas astronautas poderiam ter. O último resultado desta parceria é o filme “A Beautiful Planet”.

Há algumas coisas que somente o cinema pode proporcionar! Assinar a direção de fotografia de um filme em conjunto com um grupo de astronautas é uma delas. Essa tarefa coube a James Neilhouse, que esteve em todas as gravações envolvendo a Imax no espaço desde o projeto “The Dream is Alive” e agora é a vez de “A Beautiful Planet“.

O filme não é oficialmente uma sequência de Blue Planet, mas o diretor de fotografia conta que a inspiração para ele veio de um comentário de Leornardo DiCaprio, durante as gravações da voz over de Hubble 3D o ator contou à diretora do flime, Toni Myers, que havia adorado Blue Planet e que eles deveriam trabalhar em outro projeto deste tipo.

Como o primeiro filme havia sido lançado em 1990, eles decidiram que era era hora de fazer um novo que, segundo palavras da NASA:

“… mostra os efeitos que a humanidade tem tido no globo ao longo do tempo. Da redução gradual da Bacia do Rio Colorado para os efeitos dos gases estufa na atmosfera até o desmatamento, todos são visíveis do espaço.”

Na sequência você pode conferir o trailer de Hubble 3D, já o documentário Blue Planet pode ser encontrado na íntegra no próprio Youtube.

Para o último projeto coube a Neihouse novamente treinar os astronautas que fariam as imagens direto da Estação Espacial Internacional, trabalho que ele tem realizado desde 1988. As gravações, que duraram quinze meses, ocorreram com três equipes diferentes de astronautas e o tempo de treinamento deles foi muito limitado, cerca de oito horas para que Neihouse pudesse passar fundamentos da fotografia com Imax, explicar funções das câmeras, composição e exposição. O vídeo a seguir mostra alguns trechos de outros treinamentos:

O fato de gravar com digital acabou ajudando e muito o trabalho. Os astronautas podiam receber proxies do que haviam gravado para ver como estavam saindo os planos e tirarem dúvidas como qual exposição ou distância focal usar em planos específicos através de e-mails ou até mesmo ligando diretamente para Neihouse.

Com a aposentadoria dos ônibus espaciais da NASA em 2011, a escolha das câmeras e formato digital foi essencial, pois o espaço para levar e trazer qualquer coisa da Estação foi drasticamente reduzido. Foram testadas várias câmeras para a tarefa, começando com uma Red Epic Mysterium-X, Vision Research Phantom 65, Sony F-65, Arri Alexa M e Canon EOS C300.

Neihouse conta em um artigo da American Cinematographer que foram gravadas cenas com as digitais e película para depois serem comparadas lado a lado, segundo ele a F-65 foi descartada por causa de seu tamanho, consumo de energia e menu de seleção mais complexo, pois a ideia era manter a operação da câmera simples e rápida para os astronautas. Essa mesma questão fez com quem desistissem de usar a Phantom 65.

A Alexa M foi rejeitada pois o sistema contava com duas peças, sendo um cabo saindo da câmera para o gravador, além do consumo de bateria bem alto da câmera (para os padrões que eles necessitavam). Com isso sobraram RED e Canon, segundo ele, olhando a imagem lado a lado em um projetor digital IMAX as pessoas achavam a C300 com um melhor visual para o projeto.

Além disso a NASA já usava algumas câmeras Canon na Estação, o que significava que as baterias dela já eram certificadas para o espaço. Tudo que é enviado ao espaço precisa ser testado e certificado para que não ocorra nenhuma variação ou acidente.

Um pouco antes do início das gravações a Canon lançou sua C500, que oferecia 4K em imagens sem compressão, o que fez com que Neihouse e Meyers optassem por ela gravando os arquivos em um Codex Onboard S Plus Recorder. Eles enviaram três C500 que foram utilizadas uma de cada vez, sendo trocadas conforme a radiação acabava danificando muito o sensor da anterior.

Eles também enviaram três Canon EOS-1D C para as sequências em still da Terra, mas apenas duas chegaram à órbita, pois uma se perdeu na falha do foguete SpaceX 7. A primeira tirou mais de 149 mil quadros antes de ser trocada pela segunda que conseguiu tirar mais 101 mil quadros.

Depois os arquivos eram interpolados para criarem uma composição de 24 qps. Segundo Neihouse “Nós usamos o sensor todo, 5208×3477 (de pixels efetivos), o que gera um aspecto de 1,5:1. Isso é bem próximo ao 1,44:1 do Imax, então perdemos menos informação dessa forma.”

A 1D C contava com lentes 14mm (T3.1) e 24mm (T1.5) Canon CN-E, segundo Neihouse a 24mm apresenta um visual muito parecido a 40mm padrão da Imax. Ele também inseriu vários adaptadores Nikon para aproveitar algumas lentes que já estavam a bordo na Estação Espacial, o que fez com que eles usassem uma Noct-Nikkor de 58mm f/1.2 e uma Nikkor 180mm f/2.8. Para a C500 eles usaram uma Arri/Zeiss 12mm Master Prime e uma Canon Cine Zoom 15.5-47mm.

O astronauta Kjell Lindgren com a câmera na Estação Espacial. Foto: NASA.

O astronauta Kjell Lindgren com a câmera na Estação Espacial. Foto: NASA.

Sem os ônibus espaciais agora apenas a nave SpaceX Dragon volta do espaço, todas as outras só fazem a viagem de ida e são incineradas na entrada da atmosfera. Pela extrema falta de espaço parte do equipamento utilizado para capturar o filme já foi incinerado e o restante será inserido em próximas naves.

Para capturar pela primeira vez os “space walks” em uma visão subjetiva os astronautas utilizaram GoPro’s Hero 4 Silver em seus capacetes. Segundo Neihouse o conteúdo da GoPro foi usado com moderação, pois alguns planos ficaram bons e outros nem tanto, mas ajudavam a contar a história.

Já dentro da Estação as luzes de apoio foram obtidas principalmente através de paineis que eles já possuíam no local. Durante o treinamento ele pôde ensinar aos astronautas a iluminação de três pontos e como igualar níveis.

Durante as gravações a maior preocupação foi com partículas de alta intensidade atingindo as câmeras, a NASA testou várias opções de “blindagem” da câmera, mas não encontrou nada muito efetivo. Ficou decidido que enquanto os astronautas não estivessem gravando, as câmeras ficariam em bolhas de água ao redor do equipamento, a substância serve para diminuir a velocidade dessa radiação.

Um dos planos mais interessantes do filme quanto à execução foi o momento onde a Estação Espacial cruza o Sol. Segundo Neihouse:

“Foi um plano em tempo real e era preciso que estivéssemos em um ponto preciso da Terra em um espaço de 5km durante o tempo exato para conseguir pegar a Estação cruzando a linha entre a equipe na Terra e o Sol. A tentativa teve início em Big Bear Lake (Califórnia) e terminou em Idaho com mais de quatro dias de produção. Eu queria ir o mais alto que pudéssemos para assim evitar a atmosfera mais densa e conseguir uma imagem mais nítida, também precisávamos cronometrar isso para que conseguíssemos filmar logo após o meio dia, que era o momento onde a Estação estaria mais próxima à câmera. A Estação cruza o Sol em apenas .53 segundos, então gravamos isso com uma Phantom Flex4K a 1.000 qps, com uma Canon EF 800mm f5.6 L IS USM e dois extensores nela e capturamos a silhueta perfeita da estação passando em frente ao Sol, com spots do Sol ao redor e tudo mais.”

A ideia era ter os gravadores físicos de volta conforme as viagens da nave Space X Dragon ocorressem, mas depois da explosão onde ela acabou sendo perdida a imagens ficaram “ilhadas” na Estação e foi preciso achar uma solução.

Para isso Marsha Irvins uma espécie de guru do projeto e cinco vezes astronauta nos ônibus espaciais trabalhou em conjunto com a NASA e a CodeX para criar um protocolo de acesso remoto ao conteúdo 4K na Estação, assim foi possível transferir os arquivos sem perdas para a Terra.

A fotografia foi finalizada no meio de dezembro de 2015 e o color grade foi realizado por Brett Trider através do Autodesk Lustre na Technicolor Toronto. Segundo Neihouse pelo fato da C500 ter sido usada em interiores, a 1D C principalmente em planos da Terra e as GoPros e Phantom em ambientes muito diferentes, não houve grandes problemas na hora de compor as imagens em conjunto.

O filme foi lançado em 29 de abril em alguns cinemas Imax e Imax 3D, o processo de pós-produção 3D foi executado pela Legend3D e supervisionado por Hugh Murray, pois não havia espaço ou possibilidade física para enviar equipamentos de captura 3D nativa. Por fim, para Neihouse:

“O filme compara viver na Terra com a vida na Estação Espacial. Temos essas coisas (água, ar) como certas, mas quando elas são limitadas da forma que são na Estação, todo mundo precisa fazer a sua parte para conservá-las. As pessoas da Terra precisam tratar uns aos outros como membros de uma tripulação, respeitando nossas necessidades e cuidando dos nossos recursos. Não existe viagem gratuita.”

Parte das informações e os depoimentos de Neihouse foram traduzidos do artigo sobre o filme da American Cinematographer, você pode ler o original (em inglês) clicando aqui. Já o site do projeto você pode conferir clicando aqui e a notícia oficial da NASA pode ser acessada aqui.

 

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Graduado em Imagem e Som pela UFSCar e especialista em Gestão Estratégica de Negócios pela Mackenzie. Parte de seu portfólio está disponível em: https://www.behance.net/gustafonseca. Quer entrar em contato? Envie um e-mail para gustavof.gustavo@gmail.com.

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