Como Funciona a Direção de Atores

Dirigir atores é uma tarefa no mínimo complexa e o número de abordagens possíveis é quase incontável. O diretor é a pessoa que terá o contato mais direto com os atores e, por isso, cada um acaba agindo de forma única, as variáveis são muitas e dependem da história, do próprio ator escolhido para o papel e do estilo do diretor. Mas nada melhor que ouvir a voz da experiência e descobrir como alguns grandes diretores encaram essa tarefa.

David Cronenberg

Para David Cronenberg boa parte do processo está na conversa e construção do personagem, caso você tenha um bom ator e consiga passar o que quer dele, poderá deixá-lo tranquilo para fazer seu trabalho.

 

Morgan Freeman

Morgan Freeman defende uma abordagem mais direta e minimalista dos diretores, dando ênfase à seleção do elenco, uma vez selecionado um bom elenco, o resto é só o trabalho do ator.

Conversando Sobre Atores

Agora que tal reunir algum dos principais diretores de Hollywood para conversarem sobre como escolhem e dirigem atores? No próximo vídeo Tom Hooper (O discurso do rei, Os miseráveis, A garota dinamarquesa), Ang Lee (As aventuras de Pi, O segredo de Brokeback Mountain), David O. Russel (O lado bom da vida), Ben Affleck (Argo), Sacha Gervasi (Hitchcock) e Kathryn Bigelow (A hora mais escura) discutem um pouco sobre sua abordagem ao dirigir atores e o que acham essencial na escolha de um bom elenco.

Atualização 21/12/2016: Infelizmente este vídeo foi removido e teve seus direitos bloqueados para exibição em território brasileiro pelo canal que o subiu. Portanto, ao clicar no “play”, ele não rodará mais. Mas ele é praticamente dissecado na sequência do texto, boa leitura. 

Honestidade sem Nonsense 

Ser honesto com seus atores e manter um canal de comunicação direto com eles é essencial.

David O. Russel cita que chega a orientar que eles não atuem, isso no sentido de não tentarem trazer uma interpretação exagerada para a tela, assim como Ben Affleck (que também é ator) cita que muitas vezes diz não esperar nada do ator para a cena, apenas que ele vá lá e fique na cena.

Com essa abordagem, muitas vezes, o ator consegue se livrar de “obrigações” na interpretação que ele tinha em mente, como tentar convencer o público que está preocupado com sua mãe ou algo do tipo.

Pois por mais experiente e habilidoso que ele seja, caso seu foco esteja muito concentrado em passar alguma mensagem, ela acabará saindo de forma exarcebada.

Sutileza na Interpretação

Uma das primeiras coisas que você aprende na faculdade ou assistindo a grandes atores é que o cinema pede uma interpretação sutil, delicada, quase imperceptível.

Enquanto no teatro, de maneira geral, os atores têm uma abordagem corporal muitíssimo maior, expressões bem acentuadas e precisam colocar bem sua voz no ambiente, no cinema é exatamente o contrário.

Atuar com apenas partes do seu corpo ou rosto em foco requer um arte mais minimalista e concentrada em detalhes.

A Dose Certa de Atuação

O ator tem sua marcação e todas limitações técnicas para cada cena e, além disso, em muitos casos será seu rosto que estará em uma tela com mais de três metros de altura, exagerar na atuação neste momento faz com que o público se afaste, como cita Affleck.

Se o ator se comporta de maneira exagerada ou forçada, a tendência é perder o espectador. Trabalhando com grandes atores muitas vezes a sutileza é tão grande que pequenos detalhes só são percebidos na tela grande, durante a gravação eles são quase imperceptíveis.

Paradoxalmente, quanto menos o ator se preocupa em atuar, melhor é sua performance na maioria dos casos.

Escolha de Elenco

É quase unanimidade que a escolha do elenco é uma etapa essencial no processo, como o próprio Morgan Freeman cita em seu vídeo, se você fez a escolha certa é só deixar o ator fazer o trabalho dele.

Você passará a dirigir o filme e não mais dirigir atores. Ainda em seu vídeo ele cita Clint Eastwood que apenas direciona a marcação dos atores na cena e deixa que eles tragam o que pensaram para o seu trabalho.

Isso não quer dizer que o diretor faz apenas a seleção do elenco e deixa o ator chegar a uma conclusão sobre quem é o personagem, pelo contrário, durante a seleção e todo o processo de produção as leituras de roteiro serão constantes entre o diretor e os principais atores, exatamente para que eles consigam juntos criar esta personalidade baseado na visão do primeiro.

Caso todo esse processo seja bem executado, a chance do diretor não precisar ficar dando direcionamentos específicos para o ator durante as cenas é muito grande.

Mas como “não atuar?”

Voltamos novamente ao termo “não atuar”, quando as leituras são intensas, e o ator é talentoso e engajado em seu papel, ele passa a tratar seu personagem como uma pessoa real, ela não mais interpreta alguém, agora ele é alguém.

Isso faz com que, uma vez dentro do personagem, ele consiga tomar decisões sobre aonde ir, como reagir, como se portar, de maneira institiva. Sua fisionomia muda, sua linguagem corporal e tom de voz também.

Feito isso, ele não passa mais a interpretar e sim a viver aquele ser humano, o que quebra a barreira do “hum, tenho de mostrar que estou feliz ou triste”, ele apenas reage a situações como seu personagem reagiria, pois as expressões de alegria ou tristeza entre os seres humanos são as mais diversas.

Há pessoas que choram alegres e outras que riem tristes, e se ele se prender apenas aos termos, terá uma atuação superficial e recheada de clichês que se maximizam na tela grande.

O Ator Preocupado com a Narrativa

Por último, Tom Hooper cita um processo muito interessante ocorrido entre ele e Russell Crowe na gravação de Os Miseráveis, Tom sentia que havia uma pequena abertura no musical que não mostrava ou denunciava o motivo que levou Javert a planejar o suicídio.

Foi quando Russell teve a ideia de, durante a cena da batalha, tirar a medalha do seu casaco e colocá-la em um pequeno garoto morto, esse foi o início de sua queda.

Este é um ótimo exemplo da importância do construção do personagem entre diretor e ator, um ator que apenas chega para interpretar algo e ir embora ao final da diária não terá conhecimento e compromentimento com a história da mesma forma que um ator que participou de discussões ativas com o diretor sobre quem é aquela pessoa que tomará forma através dele. Ensaios, conversas, tudo isso dá confiança ao ator para dar vida ao seu personagem e poder decidir por ele.

 Ator e Diretor

A relação entre atores e diretores carrega muita mística e realmente é um laço único no filme, conseguir ter acesso emocional ao seu ator e ter a possibilidade de falar com ele sobre qualquer ponto do filme, ou mesmo da vida, é algo que tornará essa conexão muito mais forte, abrindo assim novos horizontes para o personagem que está nascendo através dos dois.

E você? Já teve grandes decepções ou ótimas surpresas dirigindo atores? Como lida com essa relação? Conta pra gente nos comentários.

Transcrição do último vídeo (que foi retirado do canal) com dicas de diretores: 

Quais as conversas mais estranhas que já tiveram com atores? Há diferentes estratégias para diferentes tipos de atores?  Mesmo que seja um grande ator entregando uma performance que não é como você quer, é sempre sobre achar onde você pode ter uma conversa confortável com aquele ator? Onde ele ou ela irão corresponder e como você passa por isso? Ben, como ator, o que gostaria de escutar de um diretor com relação a o que não está funcionando.

Ben Affleck

Acho que como ator você quer duas coisas, uma é ter suporte do seu diretor, quer sentir que ele acredita em você, que te dá suporte e quer que ele diga a verdade. Suporte pode significar diferentes coisas, para mim é dar uma chance… Algumas pessoas tipo… Morgan Freeman, para ele suporte significa:

Morgan Freeman

Mais um take e depois vou embora.

Ben Affleck

Sabe… tipo… eu te apoio nisso. Espero que seja bom! …parece razoável, talvez se fizéssemos mais um…

Morgan Freeman

Por quê?

Ben Affleck

Mas eu acho que as partes onde eu tive dificuldades… nós tivemos 120 diálogos em Argo, bem maior que nos outros filmes que dirigi. Como ator, quando você está na cena com eles há um acordo velado entre os atores de que você não vai quebrar a lei fundamental, que como atores é: não dar um monte de direções.

Quer dizer… você não vai parar a cena e dizer “talvez… talvez um pouquinho…”, você está violando isso ao falar com eles, eu tento deixar para falar só se tiver algum problema. Se não há, fico apenas admirando um ator fazendo seu trabalho e minha relação com diretores geralmente é muito boa.

Tratar alguém com decência, honestidade e indo direto ao ponto, acho que é o que os atores irão pedir.

David, o que você acha?

David O. Russel

Acho que uma boa direção, voltando ao que foi dito, é: sem nonsense. Uma boa forma de dirigir atores que aprendi é: esqueça tudo, pare de atuar. Eu inclusive digo isso, sem atuar, pode cortar tudo isso e, muitas vezes, isso é libertador para um ator, pois…

Ben

E é cara! O que mais eles dizem é “pode parar, não faça nada disso! Eu não ligo a mínima para o que você fizer, não faça nada, eu não ligo.” e, de repente, você sai daquele sentimento de “eu tenho de convencer o público que estou… preocupado com a minha mãe ou o que seja” e é só meio que ir lá para um plano e você “hum, interessante, vou tentar outra coisa” e você meio que recria, o ator sente esse poder de vir e atuar… paradoxalmente… você não percebe um ótimo vendedor te vendendo algo, e se você sente alguém tentando te convencer… sua mente… neste caso o público, se afasta um pouco quando a ator começa a vir para cima dele, vendo grandes atores e estando bem perto deles você aprende que ainda quer saber o que eles estão fazendo, pois eles estão entregando tão pouco, comedidamente, e você quer ver… está tão próximo quanto a câmera, como estamos aqui de um para o outro e eu percebi que isso é muito efetivo, pois as pessoas se sentem livres, eu digo a eles: não é seu trabalho criar o filme, é o meu trabalho.

David

Robert De Niro é um grande professor quanto a isso, ele foi como um padrinho em nosso set. Pois ele… nós todos estávamos o assistindo e ele se demonstrou emocionalmente… talvez… ele estava muito comprometido pessoalmente e nós tínhamos muito respeito por ele e com ele, era exatamente isso. Ele apenas… tudo que você acabou de descrever, é fazer isso…

Ben

Uau, gostei! Sério? Robert De Niro?

Vocês aprendem como diretores de atores?

Com certeza.

O que vocês aprendem com eles? O que eles ensinam? Principalmente grandes atores?

Tom Hooper

Eu acho… os grandes atores, e Robert De Niro comigo foi o primeiro a fazer isso, eles acrescentam muito à narrativa, quer dizer… por exemplo, no meu filme o Russel (Crowe)… quando o encontrei pela primeira vez eu disse que minha grande responsabilidade é tentar estabelecer o motivo desse homem estar planejando se matar, eu sentia que não era bem explicado no musical e ele teve essa ideia brilhante de durante a cena da batalha… há um garotinho que ele vê e que tinha sido morto, ele tira a medalha do seu casaco e coloca no peito do menino.

Esse momento brilhante fez muitas pessoas chorarem e foi por que ele sabia que poderia ter impedido a morte de uma criança, há algo sagrado na morte de uma criança, que é diferente da morte de um soldado, Russell viu isso como uma oportunidade de começar o processo que o levaria para baixo e seu instinto que precisaríamos disso e o que faria Javert transcender sua visão pequena e demoníaca do mundo seria uma criança, pois tem uma…

E isso não estava no roteiro?

Não, não… o que eu mais amo são atores que são naturalmente bons contadores de histórias e abordam o material tentando dar ênfase e trabalhar em como levantar a história, alguns atores não veem isso como sua responsabilidade, mas alguns querem fazer parte da narrativa e eu amo isso, por exemplo.

Sacha Gervasi

Eu tive a mesma experiência com Helen Mirren, ela é uma pessoa extraordinária, muito talentosa. Eu tive a mesma questão, você mencionou o Morgan Freeman sendo bem “curto” depois de um ou dois takes e aconteceu o mesmo com Tony Hopkins, após dezesseis horas de gravação, ele estava com uma roupa de obeso e queria ir pra casa e, mais de  uma vez, eu dizia: Tony, podemos fazer mais uma? E ele: Não, tô indo pra casa. E eu conseguia mais um take que, por alguma razão, não estaria lá quando a Mirren (Helen) vinha até o Tony e dizia: Oh, querido. Estraguei tudo, era para estar parada aqui. Podemos gravar outro? E Anthony dizia: Claro, Helen! Claro.

Quando você tem um grande ator, ele não está apenas fazendo parte da história, mas realmente ajudando a fazer o filme. Eu não teria conseguido fazê-lo sem algum dos dois em muitos casos, sabe… é um trabalho em equipe.

A honestidade e o instinto que as pessoas têm falado, você precisa disso na sua performance, pois eles também te guiam tanto quanto você os guia. Você realmente tem de prestar atenção a estes bons atores… quando eles estão em um personagem… Você precisa saber que estão no personagem e você está gravando isso… vendo o todo, quando estão dentro do personagem, você quer prestar atenção e ser bem sensível quanto a isso, pois eles te ensinam muito.

O instinto deles de onde ir, onde a cena funciona ou não… podem querer ser legais e não te dizer que algo não funciona… melhor prestar atenção. Se não pedem para fazer algo que querem, é desonesto… Você quer mexer no seu filme se algo não funciona e eles te dão…

Sim, há essa ideia de “essa é a cena que defini, vamos pra cá, é isso que queremos.” e se eles dizem… hum… não quero fazer isso, em vez de pensar que ele é um mala, você toma aquele tempo para pensar “ok, deixa eu voltar aqui… entendi… é por isso que tal coisa está acontecendo, vamos assim então.” e outras pessoas que estão ao redor pensam ser uma tolerância sua… algumas vezes você tem de deixar algumas pessoas se frustrarem, sabe…

Onde o ator encontra isso? Essa é a beleza disso. Acho que comigo a descoberta ocorre muito no processo de casting, eu tento gastar tempo com isso e… perceber se há algo naquela pessoa que é na verdade uma qualidade que está no personagem,  há um tipo de simetria que eu sei que posso encontrar ou eles podem encontrar e, de novo, eles te ensinam.

Tenho uma enorme admiração por atores, eu acho que, talvez… há um tipo de respeito que eu tenho… acho mágico o que eles fazem… Você tem de respeitar isso, tem de ser humilde.

Acho que deixá-los acharem isso… não há nada mais legal que ir para o set antes de ter qualquer coisa por lá e apenas deixar eles acharem isso, deixar eles acharem o momento, deixá-los dominar isso, acho que se afastar um pouco é um dos momentos mais legais.

Há alguma porcentagem que vocês possam dizer sobre a importância do casting e como isso afeta nas decisões  que fazem para o filme…

100%! É tipo… Você tem de fazer seu filme, uma vez o elenco definido. Mais ou menos, há algumas formas de mover o De Niro mas… as coisas irão para onde tem de ir se você  tomou essas decisões.

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Graduado em Imagem e Som pela UFSCar e especialista em Gestão Estratégica de Negócios pela Mackenzie. Parte de seu portfólio está disponível em: https://www.behance.net/gustafonseca. Quer entrar em contato? Envie um e-mail para gustavof.gustavo@gmail.com.

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