Nas ondas do cinema – Trilha sonora
De qual trilha sonora você realmente lembra quando o assunto são filmes? Quais as primeiras que lhe vêm à mente? Muito provavelmente o tema de Star Wars, 007 e Psicose, estarão entre os lembrados.
Mas caso alguém faça a mesma pergunta especificamente sobre um filme da Marvel, você saberia dizer alguma? Algum cinéfilo de plantão talvez consiga responder, mas a maioria do público não se lembra de nenhuma.
Os motivos para isto são vários e o canal “Every Frame a Painting” fez um vídeo apenas para este tema, uma ótima aula para explicar com funciona a composição de trilhas em muitos blockbusters, mostrar a sua presença e sua importância para a narrativa (ative as legendas em português no próprio Youtube).
Como primeira razão ele aponta o fato da música trabalhar apenas como componente em segundo plano da edição de áudio do filme, dessa forma ela acaba passando desapercebida ou é ofuscada por diálogos e efeitos de foley.
Já a segunda razão seria que as músicas apenas reforçam o que é visto na cena, sendo assim, são utilizadas técnicas e estruturas que os compositores já conhecem há anos para criar temas alegres, tensos, tristes ou engraçados. Segundo ele, a música nunca desafia ou quebra suas expectativas.
O terceiro motivo seria um reforço narrativo exagerado, algo que nós, brasileiros, conhecemos bem em novelas. Muitas vezes para assegurar que todas as pessoas entendam a narrativa, a equipe acaba fazendo reforços excessivos. Para isso ele usa um exemplo de Capitão América.
Na cena de Capitão América há a possibilidade do diretor ter achado interessante manter a fala sobre o soldado para criar um distanciamento e proximidade entre ele e a criança, o “mito”, o ser que os alto-falantes anunciam, está na frente dela. Mas, realmente, a cena também funciona muito bem sem a voz off.
Por fim, entramos na questão contemporânea da música no cinema, atualmente alguns cineastas acham que a música não deva ser perceptível ao espectador, fazendo exatamente o que foi retratado no primeiro exemplo da franquia Homem de Ferro, onde a música é apenas mais um elemento de áudio.
“Temp Music”
“Temp Music” é o termo utilizado para uma música que trabalha como trilha de uma cena de forma temporária, sua função é dar uma noção real do que o diretor, e quem mais estiver envolvido no processo criativo, pensaram para a cena.
O problema que essas músicas temporárias geralmente causam é que o diretor pode gostar muito do resultado e na ânsia de não arriscar os compositores acabam se vendo forçados a praticamente copiarem composições prontas com pequenas alterações.
Um dos casos mais famosos (citado no vídeo) foi o do filme 300, onde a própria Warner admitiu posteriormente que certas composições “derivaram” do filme Titus sem o conhecimento dela.
Mas e o plágio?
Por que não existem várias ações de plágio? Os motivos são variados, sempre há um compositor e advogados por trás de cada filme, então cada compositor consegue criar obras dentro dos limites legais para que não ocorra nenhum processo.
Outro motivo é que o compositor usado como base muito provavelmente até trabalhou para filmes da mesma empresa ou ele mesmo já fez esses pequenos ajustes. Além disso, o plágio deve ser explícito, toda pessoa que trabalha no ramo criativo sabe que referências são usadas em qualquer processo.
A diferença entre referências presentes em uma criação, referências acentuadas e plágio pode ser apenas uma sequência de notas, cores diferentes, finalidades de propósito. Por isso, em um processo onde a cópia não é absurda, o plágio pode levar um bom tempo para conseguir ser caracterizado.
Mas antes que pareça que o cinema é composto por uma trilha modificada à exaustão, é importante lembrarmos que as composições muito parecidas são casos esporádicos durante um filme, como o vídeo aproxima muitos casos é importante que não sejamos levados a pensar que isso ocorre o tempo todo.
Correndo Riscos
Um dos maiores motivos para a utilização dessa quantidade de composições parecidas é que elas são seguras. Já estiveram em outros filmes e em outras cenas com a mesma temática ou clima parecido e funcionam bem.
Cinema é um negócio de alto risco, mesmo aplicando todas as fórmulas que funcionaram ao longo do tempo, muitas vezes não é possível obter o resultado desejado ou, pior ainda, conseguir reaver o dinheiro gasto na produção.
Por exemplo, um filme como “Os Vingadores: A Era de Ultron” teve orçamento estimado de $250 milhões, ou seja, um orçamento de mais de R$ 800 milhões, sim! Isso mesmo! Oitocentos milhões de reais! Por isso, os blockbusters são quase uma categoria à parte no cinema.
Em qualquer setor de economia a inovação envolve riscos, no cinema Hollywoodiano não é diferente, tentar criar algo totalmente novo geralmente pode gerar dois resultados: ótima aceitação e uma moral imensa ou péssima aceitação e, provavelmente, nunca mais trabalhar em um blockbuster.
Os diretores e compositores acabam inserindo sua criatividade à narrativa de uma maneira muito mais sútil e segura do que fariam um filme de menor orçamento ou mesmo autoral. É a chamada “manutenção do status quo” e a constante pergunta “para que arriscar, se já sabemos o que funciona?”.
Adicionando motivações
O vídeo rendeu uma resposta de Dan Golding, no vídeo Dan não tenta trabalhar o oposto, na verdade ele concorda logo no início que as composições da Marvel são fáceis de serem esquecidas. Porém, ele aponta alguns detalhes a mais que motivam este tipo de comportamento.
Star Wars baseado em “Temp Music”
Ele começa falando sobre o tema de Star Wars, que, segundo Golding, é baseada em uma “temp music” do filme “Em cada coração um pecado“. No exemplo ele mescla este exemplo com o tema de “A conquista do Oeste” e obtém um resultado bem próximo ao de Star Wars.
Segundo Golding, Star Wars é um compilado do que o teórico Fredric Jameson chama de “The nostalgia film”, ou seja, trilhas e padrões musicais que passam uma mensagem narrativa que remonta à era de ouro de Hollywood.
O filme seria uma grande combinação de músicas temporárias, com George Lucas tendo de ser convencido da importância de uma trilha original pois, segundo Golding, ele queria seguir a linha de Kubrick em “2001 – Uma odisseia no espaço” com o uso de música clássica.
Seguindo por esta linha de pensamento ele mostra que as “trilhas temporárias” já não eram novidade em 1977. Na verdade é possível retornar à 1937, onde o responsável pelo Departamento de Som do filme recebia um possível Oscar e não um compositor específico.
Quais outros motivos além da “temp music”?
Após fundamentar a visão de que as “temp tracks” não seriam as responsáveis pela presença não marcante das trilhas da Marvel, ele passa a apresentar outras possibilidades.
Primeiro temos uma viagem à história do cinema onde as composições sempre sofreram críticas por falta de criatividade e/ou profundidade ao longo das décadas. Para críticos as trilhas sonoras de filmes reconstituem e reinserem trechos e formatos que funcionaram ao longo dos anos.
Para ilustrar isso, Golding mostra como o mesmo trecho de uma obra clássica foi utilizado de diferentes maneiras para representar “perigo” em vários trabalhos de um mesmo autor. Analisando estes fatos percebemos que composições totalmente inéditas são algo raro, pois sempre haverá alguma inspiração de modo geral.
Enquanto em Star Wars nós temos uma base de influência composta por diferentes clássicos da Era de Ouro e compositores clássicos, nos blockbusters temos um retrabalho em cima de outros blockbusters. Mas para Golding o fator mais importante de todos é a tecnologia e para isso ele cita Hans Zimmer, um dos pioneiros na utilização de computadores para composições.
A importância da tecnologia
As gravações de trilhas à moda antiga eram muito custosas para os estúdios, imagine o salário de uma orquestra dedicada por alguns dias de gravação? O processo ficava por último e qualquer retrabalho gerava ainda mais gastos.
Muitas vezes essa química não era uma ciência exata e o diretor tinha acesso ao conjunto final (imagem + trilha) depois de tudo pronto, o que não dava muita ou nenhuma abertura a alterações.
O alto custo da gravação analógica ajudou na inserção do digital, o formato mais usado atualmente, mas esse tipo de meio possui suas limitações, principalmente em relação à reprodução de alguns elementos.
Um solo de violino ou uma flauta doce lenta são muito mais difíceis de serem recriados digitalmente, isso faz com que as “trilhas digitais” sigam um padrão baseado (na maioria dos casos) em outros instrumentos.
Este seria um dos principais motivos para que as trilhas da Marvel não sejam lembradas, cada filme possui sua paisagem sonora e elas diferem entre si, não em sua melodia, mas em sua textura.
A Trilha Sonora
Quando falamos de trilha sonora logo imaginamos nomes como Max Steiner, Alfred Newman, Bernard Herrmann e Ennio Morricone e o motivo para isso é simples: além dos inúmeros prêmios que todos carregam em suas carreiras, suas trilhas tornaram-se partes essenciais dos filmes em que estão presentes.
A importância de Max Steiner na história da composição para o cinema é enorme, ainda no começo da era do som o medo de inserir composições juntamente a diálogos era muito grande, o temor era que as trilhas tirassem a atenção do espectador e não pudessem ser explicadas como parte da diegese.
O que parece até mesmo banal para nós espectadores atuais que já nascemos rodeados de narrativas com diálogos e trilha mixados era um receio bastante coerente ao seu tempo. Mais do que apenas usar peças prontas, Steiner começou realmente a utilizar suas composições como reforço narrativo.
Neste momento nasceu o que posteriormente seria denominado “Mickey Mousing”, que é a utilização da composição para reforço das ações na narrativa, a técnica leva este nome por ter sido muito utilizada nas animações da Disney, Steiner foi um dos grandes nomes que a utilizaram em seus primórdios.
Na sequência temos um trecho do filme “Fantasia” de 1940 e de “King Kong” de 1933, onde podemos ver de maneira clara a execução da técnica:
Com o tempo o uso do recurso acabou ficando saturado e foi sendo substituído por outros, se repararmos com atenção percebemos que a técnica reproduz muito do que hoje é feito através do design de som com mixagem de foleys e edição de áudio que acentua certas frequências.
Mas não fica por aí, ele também trouxe o conceito de leitmotiv para filmes e inseriu a necessidade de trilhas dedicadas a personagens ou locais. Por exemplo, em “E o vento levou” o tema da fazenda Tara ficou eternizado e toca de forma recorrente (com pequenas variações) durante a película.
No entanto, ao falarmos de leitmotiv também não podemos deixar de citar dois nomes importantíssimos na história do cinema: Bernard Herrmann e John Williams. Herrmann tem entre suas trilhas filmes como “Um corpo que cai”, “Cidadão Kane” e, talvez, uma das mais famosas da história, “Psicose”.
Não poderíamos deixar de citar Ennio Morricone, que também protagonizou uma das parceiras mais memoráveis do cinema com Sergio Leone, assim como ocorreu com Herrmann e Hitchcock ou Spielberg e Williams.
Outro exemplo de atmosferas e leitmotiv marcantes são os criados por John Williams, autor da composição que aterrorizaria qualquer praia até hoje e parceiro de Spielberg em vários filmes além de “Tubarão”.
Imagem + Música
Este texto apenas arranha a superfície da história da trilha sonora no cinema, há vários teóricos que dedicam ou dedicaram suas vidas ao estudo da música no cinema. Imagem e som são duas artes que quando pensadas de maneira profunda pode elevar a sétima arte a níveis nunca antes imaginados.
Que tal ouvir os “maiores hits” de Ennio Morricone? Com certeza você passará por várias que nunca saíram da sua mente. Qual trilha sonora mais te marcou até hoje? Compartilhe conosco nos comentários.