A luz nos olhos (e como ela influencia sua história)
A cena é a seguinte: primeiras aulas de direção de fotografia, há uma atriz, algumas luzes e equipamentos para que você a ilumine em um quarto. Quais, geralmente, seriam seus primeiros passos? Muito provavelmente você correria para expor o rosto dela, faria aquele organograma básico de luz com: luz chave, preenchimento e contra. Veria se não há nada muito absurdo quanto à luz em seu rosto e, voilá, feita a cena.
Depois de um tempo e já confortável com a iluminação da cena, o próximo passo é seu preocupar em iluminar o ambiente, pois no começo é normal que você ilumine tudo de maneira homogênea ou sem motivação narrativa, mas com o tempo você passa a pensar ativamente nos espaços negativos do seu quadro, preenchimentos em diferentes temperaturas de cor, um pouquinho de fumaça para criar ambientação e por aí vai.
Depois de algumas dezenas de cenas iluminadas com o setup básico, você começa a se sentir confortável para pensar a luz de forma narrativa. Agora todas as escolhas têm de fazer sentido para o que quer passar com a cena, seu trabalho não é mais apenas distribuir luzes e garantir que nada esteja fora da exposição ideal, seu trabalho torna-se contar histórias.
De repente, durante seus estudos você percebe um detalhe: os olhos das pessoas. Percebe como eles geralmente “entregam” todo o setup de iluminação da cena e, mais que isso, como eles atuam de maneira determinante para criar a ambientação que você precisa, seja em filmes ou fotografias. Pronto, de repente um novo universo se abre e você percebe que não sabe nada sobre como olhos contam sua história.
O poder do olhar
O retrato da garota afegã tirado por Steven Mccurry em um campo de refugiados é um dos mais conhecidos do planeta. Além de todo o talento de Steven para perceber o momento e conseguir captá-lo de maneira inesquecível, os olhos da garota são decisivos no peso da imagem.
Será que olhos mais escuros ou então cerrados teriam o mesmo peso narrativo? Além disso, temos a composição de cores extremamente potente com vermelho (roupas) e verde (detalhes e olhos), gerando o máximo contraste entres essas cores complementares.
Para entender o poder dos olhos nessa fotografia, podemos usar a fotografia tirada pelo próprio Steve da mesma pessoa, mas dezessete anos depois para um artigo da própria National Geographic contando a história de Sharbat Gula (que é a foto à direita na imagem).
Mesma pessoa, mesmos olhos, mas cores, fundo, luz e disposição diferentes. Temos apenas uma foto normal, talvez opção de Steve, de não tentar “recriar” um momento que foi único. Mas este é um ótimo exemplo de como os olhos são parte essencial no jogo de “sedução” com o espectador.
A luz dos olhos
Nossos olhos trabalham como espelhos convexos e podem ser responsáveis por várias mensagens, por isso, a empresa Dedolight produziu um vídeo explicando um pouco mais como eles afetam nossas mensagens em vídeos ou, consequentemente, fotografias.
Muitos são os fatores que influenciam o brilho no olhar, temos desde a cor dos olhos até sua umidade e fisionomia da pessoa. Há olhos mais fundos, maiores, pequenos, cada ser humano possui um olhar único e que merece ser abordado desta forma para obtermos os melhores resultados possíveis.
As luzes e suas mensagens
O primeiro exemplo mostra uma luz padrão que resulta de uma iluminação muito comum para rostos de pessoas. A fonte de luz pode ser vista no canto superior dos olhos.
Um reflexo no olhar com resultado de uma fonte de luz um pouco mais independente do rosto da pessoa. Fontes duplas de iluminação, dessa vez em lados e direções opostas.
Uma configuração um pouco mais complicada, mas útil para reforçar sentimentos. Dessa vez a luz acaba “invadindo” bastante a pupila da modelo.
Fontes de luz em formatos diferentes acabam gerando reflexos fora do comum e que podem ser utilizados com motivações narrativas. por exemplo, o reflexo a seguir pode transmitir um efeito alienígena ou fora da realidade.
Em uma situação normal procuramos iluminar de forma que ambos os olhos tenham algum reflexo de luz, um reflexo na porção superior do olho e não muito pequeno pode ser o mais comum. O reflexo de uma luz menor ou mais distante e na mesma altura pode ser interpretado como um olhar escondido, agressivo, como o de James Bond.
Uma fonte de luz pontual criará um pequeno reflexo, que pode ser compreendido como misterioso e agressivo.
Para obter um resultado mais brando é possível utilizar duas fontes de luz macias, geralmente na porção de cima de olhar e, definitivamente, sempre fora do centro da pupila, como na imagem.
Duas fontes verticais geram efeitos interessantes, mas que podem parecer estranhos.
O LED circular atinge o centro da pupila e gera uma reação que não é neutra ou amigável para quem assiste. Este foi um tipo de iluminação utilizado, por exemplo, em alguns depoimentos do TUF Brasil, exatamente por essa agressividade gerada.
Por causa da curvatura do olho os reflexos variam em tamanho de acordo com a distância dos elementos (além de seu tamanho, claro). Uma janela ou grande fonte refletindo na porção superior gera uma imagem agradável.
É possível adicionar um segundo reflexo, que também pode ser suave e geralmente está na porção de baixo dos olhos, na posição das 07h em relógios, é um tipo de luz que pode passar um tom de tristeza ou como o próprio vídeo cita: um tom de saudade.
Um reflexo bem grande e macio na parte inferior dos olhos pode passar a sensação de um olhar feminino amável.
Já com as fontes mais centralizadas e com um tamanho razoável temos um olhar que emite beleza dentro dos padrões modernos.
Com homens esse tipo de reflexo pode passar uma mensagem muito amigável e gentil. Mais do que o desejado, dependendo da ocasião.
Conforme Dedo cita no vídeo, em cada rosto e olhar essas expressões podem variar e precisam ser exploradas de maneira única. O que funciona para olhos escuros não necessariamente funcionará para olhos claros.
No vídeo ainda temos algumas dicas básicas sobre a narrativa contida na captação das imagens, olhar diretamente para a câmera quer dizer falar com o espectador.
Já um plano lateralizado cria uma situação de diálogo.
Um reflexo grande e sem bordas tão definidas bem acima com o olhar direcionado para esta direção pode significar “olhar para o futuro”.
Na mesma disposição de luzes, um olhar para baixo pode significar reviver o passado, lembrar de algum acontecimento distante.
Uma iluminação natural sem reflexo gera perdas na comunicação, perda na vivacidade da pessoa na tela.
Falta de iluminação total nos globos oculares gera o chamado “skull light look”.
Um reflexo diferente no centro do olho pode gerar estranheza, enquanto um grande reflexo pode dar a entender o olhar de uma pessoa cega.
Há também iluminações clássicas do cinema como a feita em partes específicas dos olhos.
Apesar de não ser tão comum atualmente para pessoas, essa é uma boa opção para iluminar objetos e detalhes que precisam ser destacados.
Para obter a gradação necessária na imagem a Dedolight desenvolveu o que batizaram de “eye filter” ou filtro de olhos.
O reflexo nos olhos têm muito a ver com a expressão da pessoa, cor de pele e diferenças no próprio olho como a cor, tamanho e umidade. Tenha sempre isso em mente ao iluminar o rosto de uma pessoa, verifique como estão seus olhos e se passam o que você deseja com a iluminação.
Ensinamento gratuito
Após esse tutorial básico sobre olhos você já pode começar a assistir todos os filmes que desejar e prestar atenção aos olhares dos atores. Essa é uma ótima forma de começar a aprender a disposição de luzes com o que há de melhor no cinema.
Este post apenas arranhou a superfície da abordagem sobre iluminação em olhos, pupilas, cores e reflexos. Há todo um mundo teórico e prático nesta área, tanto em cinema quanto em fotografia still, que merece ser estudado com mais profundidade.