O que significa a compra da Legendary Entertainment pela chinesa Wanda?

A compra da Legendary

O conglomerado imobiliário e de investimentos Dalian Wanda Group adquiriu a Legendary Entertainment em um negócio estimado em cerca de US$ 3,5 bilhões. O acordo marca a primeira vez em que um estúdio responsável por blockbusters, a Legendary fez parte da produção de Godzilla, A Origem, Jurassic World, passa a ser controlado por chineses.

O fundador e CEO da Legendary, Thomas Tull, continuará responsável pelas operações diárias da companhia com seu pagamento atrelado ao desempenho do estúdio. “Juntas a Wanda e Legendary criarão uma empresa internacional de entretenimento totalmente nova” disse Tull. “Isso nunca ocorreu antes,” ele acrescentou em uma conversa com a imprensa após o anúncio. “Não há precedentes para isto, iremos criá-la conforme nossas ações.”.

Segundo Wang Jianlin, presidente da Wanda, “Os negócios da Wanda englobarão todo o escopo de produção, exibição e distribuição, aumentando a competitividade da empresa e ampliando nossa voz no mercado de cinema global.”.

A consolidação da Wanda

O acordo de fato é um grande passo para a Wanda em busca de se consolidar um estúdio global, o conglomerado Chinês tem diversificado sua base de negócios (focada no setor imobiliário) desde agosto de 2012, quando gastou cerca de US$ 2.6 bilhões na compra da AMC Entertainment, a segunda maior cadeia de cinemas nos EUA.

Ano passado a Wanda pagou US$ 600 milhões pela Hoyts, a segunda maior cadeia multiplex da Austrália, a companhia também possuí o maior circuito de exibição da China, chamado Wanda Cinema Line, que tem uma fatia de mercado de $ 18,5 bilhões e há rumores que a empresa está em busca de uma cadeia europeia, mesmo assim a Wanda já é a maior rede de cinema do mundo com facilidade.

Ano passado o executivo Jack Gao (Ex-Microsoft e News Corp) foi contratado como o principal nome da subsidiária da Wanda Cinema Line, seu braço de filmes, a Wanda Pictures, e de uma parte de distribuição em crescimento, a Wuzhou Film Distribution.

Possível IPO

Perguntado se abrir o capital no mercado de ações faria parte dos planos da empresa na China, Tull disse: “Acabamos de fechar o acordo, não temos planos definitivos neste momento”. Wang, no entanto, deu sinais que continuará com o IPO da Wanda Film Production e Distribution em breve, o que sugere que isso possa se tornar parte do plano de reestruturação da Legendary.

A Wanda tem investido de forma agressiva no mercado chinês. assim como em Hollywood. Ela foi a principal financiadora do filme Nocaute (2015) com Jake Gyllenhaal. A empresa também está construindo o que ela diz ser o maior complexo de produção do mundo, um complexo de estúdios de US$ 8,2 bilhões na cidade de Qingdao.

Esperasse que o projeto complete sua primeira fase de desenvolvimento em 2017 e irá compreender 30 estúdios com isolamento acústico, instalação de ultima geração para pós-produção, cidade cinematográfica, o maior tanque de água de toda a China e um estúdio submerso com temperatura controlada.

O flerte entre a Legendary e a China

As intenções da Legendary na China começaram em 2011 quando foi anunciada a criação da Legendary East, a união com o estúdio Chinês Huayi Brothers para a co-produção de filmes falados em inglês dentro da China para tentar driblar a cota de importação de filmes estrangeiros definida pelo governo Chinês.

O acordo acabou indo por água abaixo quando os parceiros não encontraram financiamento suficiente. Mas em 2013, a empresa achou uma novo parceira com a China Film Group, a empresa estatal dominante do setor.

A Legendary East continua como uma subsidiária após a compra pela Wanda e a China Film Group é vista como uma parceira no negócio. Liderada agora por Peter Loehr, antigo executivo da CAA China, o próximo grande projeto da Legendary East é Warcraft, uma adaptação cheia de efeitos visuais do popular jogo World of Warcraft, a previsão é que o filme seja lançado em 10 de Junho pela Universal.

Você pode conferir o trailer de Warcraft na sequêcia:

Qual a primeira grande co-produção?

A primeira grande co-produção China-EUA da união entre as duas empresas será The Great Wall, um filme de ação 3D dirigido por Zhang Yimou e com Matt Damon, o queridinho da China Andy Lau, Willem Dafoe e Pedro Pascal.

Orçado em US$ 135 milhões o filme conta a história de uma força de elite fazendo um último sacrifício pela humanidade na Muralha da China. A ideia da história teve início com o próprio Tull.

Espera-se que o mercado Chinês ultrapasse o americano como o maior do mundo já em 2017, a enorme e crescente bilheteria chinesa, que cresceu incríveis 50% só no último ano, tem inspirado um grande número de acordos relacionados a entretenimento entre os dois países, assim como uma maior preocupação em Hollywood para que seus projetos agradem ao público chinês.

Mas Tull diz que a Wanda não irá exercer nenhuma influência criativa sobre os produtos da Legendary e que o estúdio continuará  a produzir filmes pensados para o mercado global.

“Não creio que você verá uma movimentação na Legendary para tornar nossos filmes mais adaptados ao mercado daqui”, disse ele. “Acontece que os filmes que fazemos já vão muito bem na China. Se estivéssemos tentando criar uma engenharia reversa com isso, creio que iria me sentir muito menos confortável.”

Algumas fontes dizem que o que levou a Wanda a adquirir a Legendary, a empresa chinesa já procurava por um estúdio há cerca de um ano, foram as mega-produções guiadas por efeitos visuais. Godzilla fez mais de US$ 77 milhões na China, enquanto Círculo de Fogo fez mais de US$ 112 milhões por lá – US$ 10 milhões a mais do que fez nos EUA. A Legendary está agora trabalhando em todo um universo baseado no Godzilla, King Kong e outros montros.

O que a aquisição da Legendary pode significar

Muitos de vocês devem ter vivido ou estudado a Guerra Fria durante as aulas de história do colégio e neste embate sem tiros ou intervenções militares entre EUA e URSS os americanos tiveram no cinema um enorme aliado para uma suave (ou não tão suave) propaganda contra seus inimigos à época.

Basta pensar por alguns minutos em quantos filmes os soviéticos aparecem como a ameaça para o fim da civilização e cabe aos americanos salvarem nosso planeta, se na corrida armamentista e mesmo espacial os dois países competiam cabeça a cabeça, quando o assunto era mídia e publicidade do regime adotado os americanos deram uma verdadeira aula de publicidade “soft” e lançavam todos os anos filmes que, além de entreter, inseriam como um conta gotas para a ideia de que a União Soviética era um inimigo em comum ao planeta.

A blindagem Chinesa

Mas qual o motivo de citar isso? Por várias razões como característica do regime, e talvez um pouco de ingenuidade, os soviéticos deixaram aberto o campo da mídia mundial com o cinema e o jornalismo para que os americanos pudessem contar ao mundo o que quisessem utilizando uma arte que eles dominam como poucos, o mercado soviético pouco importava aos americanos e colocá-los como monstros nos filmes pouco afetaria a arrecadação de suas produções.

Pois bem, só que agora temos dois pontos importantes que talvez coloquem os EUA e Hollywood em uma saia justa, onde uma nova abordagem sera necessária caso queiram manter sua hegemonia em alguns setores, o primeiro ponto é que o mercado chinês vem se tornando cada vez mais importante e em alguns casos supera a arrecadação do próprio mercado americano.

Com isso, torna-se quase inviável para um cinema comercial colocar ou mesmo criticar os chineses na obras que eles exportam para esse país. Os blockbusters (que acabam atingindo mais nações ao redor do mundo) não têm mais a liberdade criativa para criar um grande inimigo chinês de maneira tão clara como foi feito durante a Guerra Fria.

Dessa forma, uma certa empatia passiva pelos americanos e contra os chineses acaba sendo muito dificultada e um grande campo da fatia “cultural” mundial acaba sendo neutralizado, pois os americanos não podem mais inserir seus heróis de guerra contra um grande concorrente econômico em potencial.

A estratégia de mercado

O segundo ponto é que a aquisição da Legendary e as palavras do presidente da Wanda parecem mostrar que os chineses sabem da importância e peso da indústria do entretenimento e, mais que isso, possuem o discernimento necessário para saberem que apesar de adquirirem um dos grandes estúdios americanos, são eles (os americanos) que ainda possuem o conhecimento técnico necessário para a execução de obras de altíssimo nível.

Ainda é cedo para podermos falar em alguma estratégia adotada pela Wanda, mas parece que o primeiro passo nos leva a pensar que a ideia é ter o controle das empresas e manter o material humano produzindo o conteúdo de acordo com o mercado, só que agora com a assinatura dos chineses donos do estúdio, e o que isso quer dizer?

Entramos aqui no terreno das possibilidades e uma delas será a inclusão cada vez maior da China e da cultura chinesa em blockbusters americanos, levando em consideração que muitas vezes a narrativa oriental não agrada tanto ao público do ocidente, que está acostumado à narrativa clássica americana, a estratégia inteligente chinesa seria manter a narrativa dos blockbusters e inserir cada vez mais o país como parte importante do enredo, até se tornar o protagonista em algumas produções.

Claro que não há bobos do lado americano e poderia haver rejeição a se trabalhar em filmes com este tema (embora em alguns momentos o dinheiro possa falar mais alto), mas com a inserção gradual da China ganha-se tempo para que os próprios chineses possam treinar e capacitar profissionais que estariam mais abertos a escrever histórias com eles salvando o planeta. Desta forma, os chineses vêem um grande mercado se abrindo (seu próprio país) e não querem mais apenas consumir os produtos e ideias americanos.

A investida Chinesa

Sem dúvida alguma os americanos ainda dominam de maneira muito eficiente boa parte da mídia mundial (e isso inclui televisões, jornais impressos, sites), além, é claro, de ainda serem os donos de Hollywood e de todo o poder ideológico que ela pode carregar para dentro de outros países.

No entanto, não me recordo na história recente americana da investida de algum forte concorrente, seja econômico, ideológico ou militar, buscando comprar e entrar literalmente dentro da estrutura da indústria cinematográfica do país, mais que isso, realizando essa investida de maneira bem-sucedida.

Os chineses têm mostrado ao longo dos anos que não estão para brincadeira em nenhum dos campos onde entram na disputa, muita vezes, inclusive, adotando alguns métodos e formas de produção no mínimo questionáveis sob vários pontos de vista, e os EUA têm dessa vez um concorrente que é parceiro econômico, com um mercado importante à economia do país, o que faz com que as armas de sanções econômicas e publicidade contra (mesmo que de maneira branda) não possam mais ser utilizadas na disputa.

Apenas o tempo dirá…

Somente o tempo poderá dizer quais a reais intenções da Wanda e consequentemente da China com a aquisição da Legendary, pode ser que eles apenas queiram entrar no mercado dos blockbusters adquirindo uma das principais casas produtoras e verem sua receita aumentar tanto no mercado global, como principalmente no mercado interno, mas pode também indicar o início de uma campanha para inserção da cultura da China, por meio de uma das mídias mais eficientes e arrebatadoras do mundo, o cinema.

Só o tempo dirá.

E você? O que acha dessa aquisição? Já está treinando o mandarim? Parece que o mercado chinês vai se tornar bem interessante dentro de alguns anos.

Fonte (Hollywood Reporter):

http://www.hollywoodreporter.com/news/official-chinas-wanda-acquires-legendary-854827

Deixe seu comentário

comentários

Tagged under: , , , , ,

Pin it

Graduado em Imagem e Som pela UFSCar e especialista em Gestão Estratégica de Negócios pela Mackenzie. Parte de seu portfólio está disponível em: https://www.behance.net/gustafonseca. Quer entrar em contato? Envie um e-mail para gustavof.gustavo@gmail.com.

Back to top