Pixar in a Box – Storytelling – Estrutura

Mais uma aula da série “Pixar in a Box” em parceria com a Khan Academy foi lançada, dessa vez o tema é estrutura narrativa, preparamos um post especial com tudo que você vai encontrar por lá.

ATENÇÃO: O curso contém spoilers de vários filmes da empresa como Os incríveis, Procurando Nemo, Toy Story 3 e 2, Divertida Mente, UP e Wall-E, portanto, caso não tenham assistido aos filmes e queiram se manter livre de spoilers, recomendamos que os assistam para não serem surpreendidos durante o curso. Para acessá-lo basta clicar aqui.

Estrutura da história

Estrutura é a resposta para as questões: o que você quer que o público saiba e quando você quer que ele descubra. Por exemplo, a estrutura inicial de “Procurando Nemo” era bem diferente da vista no filme que chegou aos cinemas.

Inicialmente o diretor queria inserir flashbacks da vida dos pais de Nemo, começando pelo encontro dos dois e somente ao final mostrar como a barracuda ataca a casa do pai de Nemo e destrói tudo, sobrando apenas ele, mas dessa forma a história não se sustentava e os espectadores perdiam interesse.

A solução foi retirar praticamente todas as cenas de flashback do roteiro e inserir a cena do ataque da barracuda logo no início do filme. A estrutura com a descoberta de razões ao final do filme ou de um ato é bem comum e poderosa, o fato de não ter funcionado em Procurando Nemo não a invalida para nenhuma outra estrutura de história.

Neste caso o importante é saber como a história havia sido estruturada (pequenas memórias que vão construindo o personagem, até que descobrimos suas motivações ao final do filme) e conseguir rearranjá-las.

Como o público não estava sendo cativado, um dos momentos mais importantes, que é a descoberta das motivações do personagem, é trazido do final para o início do filme, o que muda toda a forma como a audiência vê a obra.

A espinha dorsal da história

Mary Coleman (Head of Creative Development) diz que a estrutura da história pode ser vista como a fundação de um prédio, caso você não tenha essa fundação muito sólida, quando começar a subir paredes, pilares e outros detalhes, pode ser que em algum momento o prédio venha abaixo.

Ela se lembra de entrevistar Michael Arndt e conversar sobre a importância dos diálogos, pois ela havia adorado seu trabalho neste quesito em “Pequena Miss Sunshine” e ele respondeu:

“Bom, o diálogo é só um papel de parede. Se você coloca o papel de parede, mas a parede em si está no lugar errado, então você perdeu seu tempo.”

Quando começamos a escrever uma história é difícil definirmos aonde vamos chegar e como tudo irá se desenrolar de maneira eficiente, então uma boa estratégia é encontrar maneiras simples de colocar estes pontos. Uma das formas é trazer os momentos mais importantes da história, que eles chamam de “Story Beats”.

Quando estão definindo estes beats e os colocando em uma parede em sequência, eles tentam não se aprofundarem demais em cada um, mas se manterem atentos a coisas como: o protagonista está tomando uma decisão clara, seja ela certa ou errada ou se há claramente uma causa e reação em cada beat.

Exemplo – Com spoiler de Toy Story 2

Em Toy Story 2, quando Buzz Lightyear percebe que há outros exatamente como ele em uma prateleira enorme ocorre um story beat, pois Buzz Lightyear percebeu que existe outro Buzz no mundo.

A razão para não se aprofundar muito nos beats é que se você fica muito preso a explicar o porquê do beat ocorrer e não apenas o que ocorre, você pode acabar perdendo o fio da meada da estrutura.

Story Spine (Espinha dorsal da história)

A “Story Spine” (algo como: espinha dorsal da história) é outro método que pode ser utilizado para criar esta estrutura e que foi popularizado por Ken Adams. Esta espinha é formada da seguinte forma:

  1. Era uma vez
  2. Todo dia
  3. Até que um dia
  4. Por causa disso
  5. Por causa disso
  6. Por causa disso
  7. Até que finalmente
  8. E desde então

A moral da história é…

Utilizando estes passos teríamos a história de Procurando Nemo desta forma:

  • Era uma vez um peixe chamando Marlin, que amava seu filho Nemo mais que tudo.
  • Todo dia Marlin tentava proteger Nemo do oceano, que ele temia.
  • Até que um dia Nemo foi levado por um mergulhador.
  • Por causa disso, Marlin teve de deixar a segurança de seu lar nos recifes para encontrar seu filho.
  • Por causa disso, Marlin teve de enfrentar tubarões, águas vivas e outros perigos.
  • Por causa disso, Marlin teve de ter muita fé.
  • Até que finalmente ele aprendeu a deixar seu medo para trás e acreditar que Nemo tinha o que era necessário para libertar Dory na rede de pesca.
  • E desde aquele dia, Marlin deu ao seu filho Nemo o espaço necessário para que ele aprendesse por conta própria.

E a moral da história é: os pais precisam aprender a deixar seus filhos agirem sozinhos, para que eles possam crescer.

Com isto, podemos ver como é possível comprimir um filme complexo em uma série de eventos simples através da espinha dorsal da história.

Tema

Durante o processo de criação de história, os roteiristas precisam voltar um pouco no tempo e pensar sobre o que conecta as pessoas envolvidas nela. Para obter um bom resultado a Pixar pede aos roteiristas que sigam perguntas simples.

O que você está tentando contar?

Quando respondemos a estar pergunta chegamos ao tema, ele se conecta à moral, que é o que teremos ao final da história.

O que pensam sobre o tema na Pixar?

Quando o público deixa seu filme e um mês depois eles dizem “adorei aquele filme, era sobre…”, o que você gostaria que seja a resposta? Por exemplo, em “Os Incríveis” (2004) as pessoas podem dizer que é um filme sobre super-heróis combatendo o crime, mas o tema é algo mais profundo ligado à história.

Então, Os incríveis acaba se tornando um filme sobre um cara que perdeu sua identidade e ele a encontra novamente após se reconectar com sua família. Sua identidade como parte daquela família, como parte daquele time.

Em “O gigante de ferro” (1999) o tema do filme era que você é o que escolhe ser. Já em “Toy Story 3” (2010) um dos temas era que aprender a amar é aprender a deixar as coisas fluírem.

Quando você assiste a um filme que não tenha uma ideia central forte ou um tema claro, ele acaba se tornando facilmente esquecível e geralmente você não consegue se lembrar deste filme ou sobre o que ele falava, pois não havia um tema que unia tudo.

Como o tema se conecta à estrutura?

Sempre que começamos a história temos de saber o objetivo do nosso protagonista e este objetivo é o que ele quer. O personagem vai em busca do quê? Mas frequentemente ele percebe que o que ele quer, não é necessariamente o que ele precisava e que o que ele precisava é muito mais importante.

Descobrir o que ele precisa geralmente se torna o tema do filme.

Uma vez definido qual o seu tema e o que você está tentando contar, você começa a criar uma série de eventos dramáticos e testes para que o seu protagonista consiga entender que precisa mudar e ser influenciado pelo tema do filme.

Você precisa de um tema antes de começar a história?

É importante saber o tema ou moral da história antes de começar, no entanto, algumas vezes você descobrirá a moral do filme enquanto trabalha nele e verá que é diferente do que você estava esperando.

Usando “Divertida Mente” (2015) como exemplo, ele começa com uma pergunta simples: o que acontece se você perder sua alegria? E então por alguns anos o tema foi a perda da alegria, o que gera uma jornada entre a alegria e o medo dentro da cabeça de Riley.

Então ocorre uma epifania onde a alegria tem de aprender que também há um papel para a tristeza na vida de Riley e precisa deixa-la participar. Isso se torna um grande tema sobre abraçar a tristeza.

Não é necessário ficar preso ou amarrado ao que você pensou no primeiro dia, é preciso deixar que isto cresça e se torne mais rico e profundo, muito mais pensando e muito mais evoluído conforme você o desenvolve.

A estrutura de atos

Após estruturar a história e definir seu tema, é hora de dividi-la em partes segmentadas chamadas de “atos”. Durante o passar do tempo escritores experimentaram histórias com diferentes números de atos, desde 3 até 8. Quando falamos de roteiros para cinema, a estrutura mais comum é a definida em três atos.

  • Ato 1: Era uma vez, todo dia, até que um dia
  • Ato 2: Por causa disso, por causa disso, por causa disso
  • Ato 3: Até que finalmente, e desde então, a moral da história é

Seguindo o padrão narrativo, durante o espaço de “era uma vez” encontramos nosso protagonista e descobrimos onde a história ocorre. Este primeiro ato geralmente também mostra ao público qual o tipo de filme que estão prestes a assistir.

Durante o momento de “todo dia” descobrimos melhor como o mundo dos nossos personagens funciona, até que chegamos ao “até que um dia”, definido como “Inciting Incident”. Este é o momento onde seu protagonista se depara com um desafio ou obstáculo que começa a mover a história.

Durante o primeiro ato também é comum encontrarmos o antagonista, que é geralmente reconhecido como o vilão, mas ele pode assumir diferentes formas. Ele geralmente é uma força que fica no caminho do personagem para conseguir chegar aos seus objetivos.

É importante que no primeiro ato você encontre o/a protagonista dentro do seu mundo, que entenda o lugar deles no mundo e os seus problemas nele. Você conhecerá este personagem e criará algum laço com ele para que tenha vontade de segui-lo em sua jornada, é importante fisgar a audiência no primeiro ato.

O incidente

Muitas vezes o incidente irá introduzir um conflito que colocará o protagonista em uma jornada que ocorrerá durante todo o filme. Geralmente ele ocorre ao final do primeiro ato, após definir quem é o protagonista, seu mundo e valores, o incidente o lança dentro do segundo ato.

Ato 2

Durante o ato 2 nosso protagonista geralmente encontra uma série de complicações progressivas. Estes acontecimentos o forçam a tomar decisões difíceis que levam a uma série de eventos definidos como “jornada”. Mas como assegurar que estes acontecimentos não são apenas uma série de eventos agrupados?

O ato 2 é um momento onde você precisa “judiar” do seu protagonista constantemente, caso contrário a história não terá conflito e uma história sem conflito fica sem formato, ritmo e força, então é importante manter-se adicionando problemas e complicações ao seu caminho.

Muitas vezes os editores encontram um segundo ato que é extremamente longo, não é interessante ter um segundo ato com uma série de eventos que vão acontecendo sem parar e sem fim. A ideia é que se crie uma série de obstáculos para o protagonista até que ele chega à decisão final, que geralmente é algo sem volta.

“The low point”

O segundo ato também precisa conter o “low point” ou ponto mais baixo, onde parece que toda esperança acabou e não há mais solução. Neste momento seu personagem pode não ter conseguido nada que queria ou, pelo contrário, ter alcançado tudo que buscou, mas ainda estar frustrado, pois não encontrou o que ele realmente precisava.

Geralmente ao final do segundo ato o protagonista irá encarar algo que ele não quis ao final do primeiro ato, neste momento é a chance de mostrar que o personagem evoluiu e cresceu ao longo da jornada e que a mudança é permanente. Este é o chamado “point of no return”, expressão inglesa que define um momento onde não há mais volta após a decisão ser tomada.

Ato 3

O terceiro ato deve trazer o momento mais intenso para o protagonista, atingindo o clímax da história. Ele deve correr o risco de perder o que considera mais importante e terá de tomar decisões que não ocorreram no primeiro e segundo atos. Será que ele é capaz de tomar estas decisões baseado no que ele precisa e não no que ele quer?

Após o clímax, os personagens geralmente voltam a um lugar comum em versão mais madura deles mesmos, este ponto é denominado como resolução.

O terceiro ato na estrutura

Neste momento o protagonista irá sacrificar o que ele quer pelo que ele deseja. O autor deve ter colocado vários testes no caminho do personagem durante sua jornada, para que neste momento ele possa mostrar a mudança pela qual passou a partir da ação que decide tomar.

É importante saber que durante o processo de construção da história, o autor não tem certeza de como o primeiro e segundo atos funcionam até ver a resolução, é importante assegurar que o público não se sinta traído neste momento.

Conselhos para roteiristas

Um dos conselhos sobre estruturar a história é trabalhar do fim para o começo, saiba onde você quer terminar e então trabalhe o processo até o começo. Também é importante se expor ao maior número de ideias possível, livros podem ser aliados como fonte de inspiração.

É bom estudar essa estrutura e assistir a uma variedade de filmes, para que você possa ter essa fundação e entender como as coisas geralmente funcionam, depois disso é você quem decide como isso deve funcionar.

Por exemplo, Stanley Kubrick chegava a trabalhar de maneira anti-narrativa em seus filmes em alguns momentos, ele usa a estrutura para levá-lo do ponto A ao ponto B, mas muitas vezes seus filmes estão preocupados muito mais com um caráter ideológico e não necessariamente em manter uma narrativa dentro de todos os padrões.

Algumas vezes suas histórias terão muito do seu momento na vida, caso seja um estudante de cinema, vai perceber como parte dos roteiros que se desenvolvem são com jovens próximos ao mundo que você vive, isso continua pelo resto da vida. Um pai de primeira viagem pode pensar muito sobre este começo de paternidade, assim como alguém recém-divorciado pode trazer essa aura para sua história.

Reconheça histórias ruins

É muito difícil admitir que algo não funciona, mas você precisa saber vir com uma bola de demolição, destruir tudo e reconstruir isto. Você aprende ao longo do caminho, então cada vez que fizer isso estará evoluindo e melhorando.

É muito importante viver a vida no mundo real, descobrir novas coisas, experimentá-las, encontrar pessoas novas. O mundo está aí para quem quiser experimentá-lo e é dele que a maioria das histórias surgem.

Considerações finais

No nosso post traduzimos boa parte do conteúdo do curso, apesar disso, encorajamos você a assisti-lo e fazer as atividades na Khan Academy. O conteúdo está em inglês, mas possui legendas (em inglês também) que podem ajudar quem possui dificuldades para entender o idioma.

O jeito “Pixar” de contar histórias

Como o curso faz parte do “Pixar in a Box”, é claro que a estrutura e jeito de contar histórias serão os que a empresa adota. Isso não quer dizer que a estrutura de três atos, temas e outros detalhes não façam parte de quase todo filme narrativo, pois fazem.

Mas se você já estiver mais habituado a técnicas de roteirização, perceberá como os ensinamentos que se desenrolam ao redor de um tema mais profundo e a história são levados de ato a ato através de pequenas nuances mais leves, uma característica do jeito Pixar de contar histórias.

Sem excesso de diálogos

A Pixar é boa em contar histórias sem dezenas de diálogos que dizem coisas óbvias ou reforçam o que está acontecendo na tela, muitas vezes ela opta por uma sequência de ações sem falas para resolvê-las.

Os filmes dela são bons para ensinar como contar histórias visualmente, sem utilizarmos o diálogo como muleta narrativa ou como reforço de ideias que queremos enfiar na cabeça dos nossos espectadores, um ótimo exemplo disso é Wall-E.

Deixar a história solta

Aprender a deixar a história solta é um dos desafios mais complicados para roteiristas novos, no começo existe a tendência de inserir diálogos e ações que, além de clichês, não são naturais aos personagens. Por medo ou por ego, tentamos colocar palavras bonitas, diálogos profundos e coisas desnecessárias.

Por isso, saber deixar a história solta para que a cada pessoa a compreenda e interprete da maneira que quiser é um desafio de experiência e desapego. É importante que você saiba e mantenha o tema do filme sempre presente, mas mesmo a Pixar possui filmes que muitas pessoas não gostam, pois não conseguem captar as mensagens intrínsecas da história.

Humildade para estudar e liberdade para criar

Aprender todas estas “regras” e “leis” nunca irá fazê-lo perder sua criatividade, pelo contrário, em momentos onde a criatividade está em baixa, saber como estruturar a história e desenvolver personagens ou atos de forma separada irá ajudá-lo a ter uma primeira versão do seu filme.

Além disso, só conhecendo a fundo todos os detalhes e técnicas narrativas que você será capaz de quebrá-las ou utilizá-las da maneira que a história pedir. Nada ensinado pela Pixar é engessado e não pode sofrer alterações, estas são apenas bases estruturais que contornam as histórias.

Por fim, cada pessoa desenvolve um processo criativo diferente, como roteirista seu papel é estar aberto a todos os estímulos implícitos e explícitos da vida, para que possa ter uma fonte rica de enunciados em sua história.

O que não muda é o trabalho duro e intenso para chegar ao primeiro tratamento de um roteiro, já o processo para chegar até ele é algo que só você poderá definir e desenvolver.

Quer aprender mais sobre a importância da roteirização? Leia nosso post sobre o piloto de Breaking Bad.

Breaking Bad e a importância do primeiro episódio

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Graduado em Imagem e Som pela UFSCar e especialista em Gestão Estratégica de Negócios pela Mackenzie. Parte de seu portfólio está disponível em: https://www.behance.net/gustafonseca. Quer entrar em contato? Envie um e-mail para gustavof.gustavo@gmail.com.

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